No alpendre. (microconto).
Sentada serena no alpendre, com o terço margaritado nas mãos, tênue entre a meditação e a vigilância - tudo é contemplação, no final. De cabelinhos brancos, bem penteados, formando, em cada lateral, um ózinho de daminha. A alvura sem manchas contrastava com as rugas das bochechas que se assemelhavam ao rastro de estrelas cadentes - elegante. Apesar de passados os 70, tinha uma juventude; perdão pelo clichê, mas assim era. Talvez o que lhe mais dava o aspecto envelhecido era o objeto enlaçado nos dedos, o qual os jovens já parecem não apreciar muito. Para todas as pessoas que lá passavam e observavam rapidamente a senhora, sua imagem era pintura da dignidade do belo entardecer da vida. Em sua face sempre se via o semblante de quem está prestes a virar vento, voante pela natureza. De toda exterioridade casta e pura, que sabiam todos do âmago da senhora?
Que história...
Escurece a razão? O que busca nesse horizonte infidável da imaginação e das reminiscências? Seus pés já não a levam, resta apelar a ele. Balbucios? Não mais. Sequer em mente ecoam esses chamados repetitivos, pois o automatismo das petições celestialmente burocráticas padeceram de anêmicas. No cenário labiríntico de si, tentava manter a lucidez entre guias de lembranças tantas. Aflição e cansaço, do tamanho dos edifícios que tomavam, pouco a pouco, o céu. Lhe surgia, a cada descida do Sol, uma sombra - abismo. E assim era: sempre alimentando a esperança de encontrar, quase fonte de sobrevivência, quem, há trinta anos, perdera. Relembra, sente o ar; não sabe até quando terá esse alento.