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OS NOVOS MONSTROS


 

Naquela tarde de Julho, abafada, o carro deslocava-se lentamente ao longo da estrada sinuosa, ruído sobressaindo na calmaria da planície, onde nem os pássaros faziam sentir a sua presença.
Os passageiros da viatura, uma senhora idosa e um homem de meia-idade, seguiam silenciosos.
A senhora olhava a paisagem com ar distante enquanto o homem, aparentemente, parecia concentrado na estrada, mas ao mesmo tempo absorto em pensamentos. Parecia mesmo preocupado.
- Filho, fiquei surpreendida quando me convidaste para um passeio para longe de casa, sabes bem que eu raramente saio, gosto do meu cantinho.
- Mãezinha, não penses nisso, tinha vontade de te proporcionar um passeio, como tu própria reconheces, nunca sais de casa, faz-te bem arejares.
Seguiu-se um silêncio. O automóvel continuava a rolar, ronceiro, seguindo um destino pré-determinado.
- Tens de sair mais, a vida são dois dias, de repente vem uma doença e rapa-nos a vida… Há que aproveitar o tempo que nos resta, não é verdade? Quero que sejas feliz. Vou fazer todos os possíveis para que o sejas - e fez-lhe uma carícia na face.
- Então como têm corrido os teus negócios?
- Cada vez melhor, tenho ganho muito dinheiro, felizmente para todos.
Seguiu-se um novo período de silêncio, longo e algo penoso para ambos.
Ela olhou à volta e comentou: - Este carro já é antigo, agora que te está a correr bem a vida, qualquer dia trocas por um novo, maior, mais potente…
- Sim, mãezinha e vais dar muitos passeios comigo, podes estar certa.
- Pois, mas eu não gosto de sair de casa, além disso o teu tio Fernando anda a ver se ma compra, depois para onde vou? A tua mulher não pode comigo, não me quer ver nem morta. Só me resta a minha casinha, que comprei com grandes sacrifícios com o teu pai, é a única recordação bem visível que tenho dele…
- Mãezinha, o pai está sempre no nosso coração. - Depois, fez uma pausa. - Sabes, como raramente sais, marquei-te umas férias aqui perto, num hotel onde vais sentir-te como uma rainha, apenas dois ou três dias e regressas. Se quiseres, podes ficar mais tempo, é só dizer, eu pago tudo. É um paraíso, tem spa, já te imaginaste a fazerem-te massagens todos os dias, vais parecer uma estrela de cinema…
- Bem, isso para mim é surpresa, tinhas dito que era só um passeio durante a tarde. E não trouxe roupas…
- Mãezinha, eu penso em tudo, enchi-te uma mala com roupa, vais estar à vontade, sem problemas. De qualquer modo, como já te disse, é só por dois ou três dias. Confia em mim, vais adorar a estadia. No sábado que vem, cá estarei para te levar de volta. E vou telefonar-te todos os dias.
- Filho, eu acredito nas tuas boas intenções, mas vais ter esta despesa desnecessária…
- Não se preocupe, quero o melhor para si.
- Não precisavas de estar com este incómodo.
- Deixa agora os sentimentalismos, mãezinha. Olha, estamos a chegar…
O carro transpôs dois largos pilares que culminavam um muro de paredes altas e que se estendia para os lados de uma vasta propriedade. Através de uma estrada de macadame seguiram até parar em frente a uma moradia de grandes dimensões.
Pelos jardins bem cuidados, homens e mulheres vestidos de branco empurravam algumas cadeiras de rodas com pessoas de idade, encolhidas na sua incapacidade. Outros amparavam idosos que mesmo com canadianas, tinham grande dificuldade em se movimentar. Num banco ali perto, um idoso olhava vagamente para o chão, equilibrando com uma bengala o corpo magro envolto num roupão.
O homem apeou-se e dando a volta ao carro, abriu a porta à mãe. Ela olhou o edifício, depois reparou numa chapa reluzente, afixada do lado direito da porta de entrada da moradia: “Lar da Suprema Felicidade”.
- Filho, mas isto afinal não é um hotel!
- Mãezinha, estás enganada, é um hotel, só que diferente, sabes, eu quero que estejas sempre acompanhada, que não estranhes a estadia, daí ter escolhido este, pelo luxo, pelas condições…
- Continuo a achar que isto foi um exagero da tua parte, podias ter arranjado um quarto numa pensão modesta, ficava mais barato. Afinal também é por pouco tempo...
O filho foi buscar uma pequena mala ao porta-bagagens e depois, dando-lhe o braço, entrou com ela no edifício.
Fez sinal a um homem vestido de branco que se encontrava junto da zona de atendimento, toda envidraçada, que se aproximou e ficou ao lado deles.
- Faz favor, apresento-lhe a D. Cremilde, que vem aqui passar umas pequenas férias. O homem cumprimentou-a respeitosamente e aguardou ordens.
Entretanto, o filho virou-se para o balcão, atrás do qual uma senhora, comprimida numa bata dois números abaixo do seu, digitava rapidamente num teclado enquanto consultava um grande monitor.
- Minha senhora, se faz favor, eu queria fazer o registo de entrada da minha mãe - e pousou vários papéis em cima do balcão.
- O senhor já conhece as condições?
- Sim, claro, tratei do assunto pela internet, já fiz a transferência bancária e tudo.
Ela consultou o monitor durante algum tempo e depois concluiu: - Correcto, vejo que já pagou três meses adiantados.
A velha senhora olhou para o filho com olhar surpreendido. Ele por sua vez, pareceu algo constrangido.
- Mãezinha, vou ser sincero, eu e a minha mulher decidimos pô-la aqui, temporariamente, porque a vida não nos está a correr bem e precisamos de dinheiro. Assim, vamos vender a sua casa. Como sabe, há várias ofertas e essa quantia decerto irá resolver os nossos problemas.
- Então e quando quiser ir-me embora, para onde vou morar?
- Mãezinha, tendo em conta as circunstâncias, a Elsa não se importa que venha morar conosco. Com umas pequenas obras, cabemos todos.
- Filho, mas a tua casa também é pequena...
Ela deitou ao filho um olhar triste e baixou a cabeça. Este olhou para o relógio de pulso.
- Mãezinha, estou cheio de pressa, ainda tenho uma entrevista com um cliente antes de anoitecer. Dá cá um beijinho. Se não vier cá no fim de semana, venho no outro, até ao fim do mês ainda passo por cá. Descansa que vou telefonar-te sempre que puder, nada te vai faltar, podes crer.
Depois, virou-se para o homem vestido de branco que permanecia junto deles e pediu-lhe:
- Enquanto eu completo as formalidades, agradecia que lhe mostrasse as instalações.
- Com certeza - Tomou o braço da idosa e pegando na mala, foi caminhando pelo corredor, dando-lhe explicações sobre as divisões que se adivinhavam de ambos os lados. Ela ainda olhou para trás uma vez e depois, encolhendo os ombros, seguiu o homem, que incansavelmente, continuava a falar sobre o significado das várias dependências da casa que lhe ia apresentando.







Um dos meus primeiros contos - escrito em Novembro de 2011. 

 

 

 

 

 

 

 

Ferreira Estêvão
Enviado por Ferreira Estêvão em 25/05/2023
Reeditado em 27/05/2023
Código do texto: T7797144
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