PENSÃO PARAÍSO
Marlene joga a água da limpeza dos 3 últimos cômodos da casa onde trabalha há 11 anos.
- Olá Marlene.
- Oi dona Gláucia.
- Vou sair, volto lá pelas duas.
- Tudo bem, dona Gláucia, terminando aqui posso ir?
- Esta bem, só deixe uma sobremesa pronta para o final de semana.
- Sim , obrigada.
- Então tchau e bom fim de semana viu.
- Obrigada e bom fim de semana.
Duas horas depois, Marlene tranca o portão da casa, anda 2 quadras e logo entra na Van do lotação para o bairro Concórdia.
No caminho ouve as piadas do motorista Rogério que sempre traz novidades para seus clientes da Van, afinal seu sonho é se tornar um famoso comediante, se depender de Marlene ele vai pois ela sempre ri de todas que ele conta.
Uma hora e quarenta minutos, ela chega na entrada do bairro, desce ali por que a Van não desce devido ser muito íngrime e grande erosão na rua principal e única de acesso.
- Obrigada.
- Disponha dona Marlene, já sabe, segunda no mesmo horário.
- Sei, tchau.
Ela passa na quitanda, açougue e na grande amiga Eloá, uma cartomante que conhece Marlene a mais de 15 anos.
- Oi amiga.
- E ai mulher, nossa hoje te deixaram sair cedo.
- Pois é, graças a Deus.
- Amém.
- Depois que a dona Gláucia ficou sozinha, agora vive nos clubes e reuniões.
- Também que preocupação aquela tem, só de contar as bufunfas todo mês.
- É mais sabe, ainda acho que seria melhor ela arrumar um marido e logo.
- Não sei o por que.
- Aquela casa enorme, ela sozinha, muito perigoso.
- você que acha que ela fica lá sozinha, tolinha.
- Credo Eloá, ela não é dessas não.
- Sei, virgem e santa ela não é, já vi aqui nas cartas, sabe, ela vai logo te apresentar o novo dono dali.
- Você é louca. Risos.
- O problema vai ser a idade.
- Por que Eloá?
- Novo, bem novo.
- Cruzes, a dona Gláucia já tá quase nos 60.
- E daí, ela tem a grana, sempre tem aquele disposto a ganhar na boa.
- Eu hein, sabe ás vezes tenho medo de suas cartas.
- Elas nunca mentem, Marlene.
- Mais e daí, eu vim também por causa daquilo.
- Opa, já vou buscar.
Além de cartomante, Eloá també faz jogo do bixo, herança de seu último finado, já que fora casada por 5 vezes.
- E ai qual foi o sonho?
- Vou te contar.
Quinze minutos depois, Marlene se despede seguindo para sua casa, antes passa na loja da Núbia, outra colega, mais amiga de sua neta.
- Oi Núbia.
- Oi dona Marlene.
- Semana que vem eu recebo e pago a continha viu?
- Oxi mulher, queria ter é milhão na sua mão.
- Olha, daí você não recebia é nunca.
- E dona Marlene. Risos.
Marlene sai dali aos risos e ao dobrar a esquina esbarra no pastor Ademar.
- Pastor.
- Oi dona Marlene.
- Não via o sr a tanto tempo.
- Pois é, a missão do senhor, me faz ir a tantos lugares.
- Vai voltar para a África?
- Vou sim daqui a dois meses.
- Olha, se a gente não se ver mais, boa viagem.
- Obrigado dona Marlene, mais eu gostaria é de ver a senhora lá na igreja, no culto.
- Qualquer noite dessas eu vou.
- É, o senhor quer te ver lá, não fuja dona Marlene, era tão assídua nos cultos de domingo e até nos de quarta.
- Pois é, com a morte do Carlos..........
- Me desculpe.
- Nada, ele foi por que Deus sabe de tudo.
- Olha, dona Marlene, sobre isso..........
- Seu Ademar, fique tranquilo, eu passo lá, agora tenho de ir mesmo, sabe, pernas a doer.
- Vai na paz.
- O sr também fique na paz.
Assim que abre a porta de sua casa humilde de 4 cômodos, um banheiro, ela deixa as sacolas na mesa e se joga no sofá por alguns minutos.
- Oi vó o que houve?
- Nada, só vim mais cedo por que a dona Gláucia foi fazer as coisas dela.
- Aquela lá te explora muito.
- Ela nos ajuda isso sim, fez tanto pela gente, não quero que fale dela desse jeito viu.
- tá vó me desculpe.
- Guarde essas coisas depois eu faço uma jantinha pra gente.
- Deixa que eu faço, vá descansar.
- Ai que lindo, minha neta tão carinhosa comigo.
- Chegou essa carta.
- Deixa eu ver.
Marlene abre e tira a carta do envelope, pouquissimas linhas e letras.
- De quem é vó?
- A esperta não colocou endereço e ainda inventou um nome.
- Quem vó?
- Sua mãe, querida.
- Minha mãe?
Marlene entrega a carta a neta Viviane que senta ali perto da vó.
A vó sai da sala deixando a neta ali lendo e relendo as 5 linhas de letras grandes, cheias de erros mais com informações preciosas, no quarto, Marlene com lágrimas vai até o guarda roupa, tira deste uma caixa e abre colocando dezenas de fotos na cama.
- Vó, ela tá viva.
- Eu sei querida.
- Por que ela decidiu escrever agora?
- Sua mãe, como sempre criando as cenas dela.
- Acha que aconteceu algo?
- Com certeza que sim, logo saberemos.
- Será que ela se casou?
- Acho que não.
- Vó, por que nunca fala dela?
- Falar o quê, tudo que eu sei já te disse, nunca escondi nada de você sobre sua mãe.
- Por que ela não me levou?
- Não tinha como, acho que nem eu a deixaria, seria muita loucura.
- Nossa vó.
- A Mara sempre foi assim, andeija desde pequena, saia ás escondidas, fugia, ia brincar com os garotos lá do campo do prata.
- A senhora ia atrás dela?
- Várias vezes, até que um dia achei ela de papo com um homem mais velho.
- Meu pai?
- É, seu pai, ela já tinha seus 15 anos e eu quando disse que aquilo não era certo ela não me respondeu nada.
- Mais se casou com ele?
- Pois é, duas semanas depois lá estava ela casada, tive de emancipar a criatura, 3 dias de casados e eles foram embora para o Uruguai.
- Com o circo vó?
- É, como aquele bendito circo, o Afonso era sobrinho do dono, Manuel Suarez, este era o dono.
- E minha mãe?
- Ficou lá no Uruguai por 3 meses e depois foram para a Espanha, lá ela ficou grávida de você.
- E me teve lá?
- Não, você nasceu aqui, eu peguei você no colo, depois vocês foram para Argentina e...
- Nossa, foram tantos lugares vó?
- Pois é, quando você estava perto do primeiro ano ela te trouxe, disse que seu pai estava anadando com más companhias, álccol e que brigava muito no circo, disse a ela que ficasse mais eu sabia, ela iria embora, dois dias depois ela foi comprar o tal cigarro e não voltou.
- É, minha mãe me abandonou.
- Não, ela só tinha que ir, ela sempre foi deste jeito, outra coisa, ela não te abandonou, te deixou aqui comigo.
- Sabe, eu sinto a falta dela, ás vezes.
- Eu sei, mais sei que te criei muito bem, olha só, 13 anos, forte, educada, estuda e só me dá alegria.
- Eu tenho medo.
- De quê?
- De que ela venha e queira mudar as coisas.
- Ela sabe que não pode fazer nada disso, as portas estão abertas para ela mais você fica.
- Te amo vó.
As duas ali abraçadas, toca o celular de Viviane, ela atende.
- Vó, vou sair um pouco.
- É o Douglas?
- É.
- OLha, já te disse tudo que sei e posso.
- Fica calma vó, não fazes nada de ruim.
- O amor não é ruim querida, a ausência dele é, não se esqueça disso, você ainda é nova.
- Obrigado vó. Viviane sai dali lá na esquina Douglas espera com sua moto, ela coloca o capacete e sobe na garupa indo para a casa da tia dele onde ele mora.
- O que é isso Douglas?
- Gostou, é o meu carro, nosso carro.
- Que bom, você conseguiu, sua tia fez o empréstimo?
- Não, eu comprei com o meu dinheiro.
Viviane olha para ele ali e anda em volta do carro.
- É bem bonito.
- Quer dar uma volta, vamos?
- Não, me leva pra casa.
- Ora, a gente acabou de chegar, vai, bem vamos sair?
- Não, eu preciso ficar com a minha vó.
- Vi.
- Por favor.
Douglas tenta insistir mais é cortado por uma voz forte de senhora que sai da cozinha da casa.
- Você ouviu, leve ela para a vó dela.
- Tia.
- Agora. O rapaz ouve aquilo e entende, entrega o capacete e logo eles param ali frente ao portão da casa da Vi.
- eu só queria passear com você.
- Olha, eu preciso entrar.
- O que houve Vi?
- Depois a gente se fala.
Marlene abre a porta e Viviane aproveita passando pelo portão sem dizer mais nada para Douglas, dentro de casa ela olha para a vó e desaba em choro.
- O que houve querida?
- Vó, só me abraça, me abraça vó.
280423...............FIM....................