Um sujeito desconsiderado (ou, a vida e sua lógica)
Decerto que não. Decerto que não, não podia ser desse modo. O sujeito chegar, nada dizer, e querer que todos recebam de bom grado sua presença? Ora, sim! Só o que faltava. Sujeito mais que desconsiderado, sem que um se dispusesse compartilhar um naco de tempo. Sujeito mais que evitado, isso sim, isso sim é que era. O mequetrefe, o toleimado, sem jeito de boa chegada, de presença bem de recebida, agraciada, ora que não. Chegava, e sem consideração com quem estava no recinto, fosse quem fosse, homem, mulher, criança, velho, fosse inté o padre, ora que não, o sujeito chegava e entrava, assim, feito boi no brete, pronto para avançar a arena, enfumado de vontade bovina de vencer o montador, igualzinho era o sujeito, entrava e sem considerar quem estivesse no espaço, o sujeito, igual boi no brete, já começava sua ladainha, sua falação sem pausa e sem respiro. Era tão afoito, tão invasor, tão intruso, que ninguém ficava perto. Não. Não tinha alma tão boa assim, tão abençoada, tão caridosa, tinha mesmo não. Sujeito mequetrefe, vichi que era sim, tão mequetrefe, que ninguém ficava perto. A pois sim. O fulano era um espalha roda, como se diz quando alguém chega e espalha a roda da conversa, ninguém quer ficar perto. Pode imaginar tamanha impertinência, tamanha falta de respeito próprio querer exigir respeito quando o próprio não respeita? Sujeito oco das ideias, isso sim. Parvo. Tão parvo que insistia que ao menos o padre o recebesse. Mas não. Nem o santo padre Melquíades tinha essa indulgência, não, não tinha como, quando alguém lhe questionava, não tinha jeito de receber alguém no privado e íntimo do confessionário, lugar por excelência reservado ao o que o coração quer falar, não tinha jeito de receber alguém que conduz sua vida e suas ações baseadas na mentira ou no distorcer o que ouviu. Era irmão da mentira, pois sim que era, igual um tal, no Planalto, capitão, que casou mais com a mentira que a esposa só é vista sozinha. Era demasiado ineficaz, para esses pecadores, o proceder segundo as regras da indulgência. Pois que não. Pecados e pecador, tudo face da mesma moeda. Por mais que perdoa, por hábito ou vício, o pecador não esquece, repete o pecado pra não esquecer. A razão de viver do pecador, é o pecado, do medo modo, no mesmo sentido, que a razão do beija -flor, é beijar a flor, do mesmo jeito é o pecador.
Um frio sem umidade, seco e cortante feito lâmina na pele, um frio que chega no seu chegar, assim, sem licença pedida, invasor, chegou e fez da manhã, ainda dormente, um esperar de acontecimentos sem prévia notícia. Era um iniciar de dia nublado, um convite para que a vida desse uma pausa, um regaço de descanso, sob as cobertas quentes, mas a vida tem sua própria lógica, sua própria premencia, sua própria urgência, e, por isso, mesmo que o corpo suplique pausa, um tiquinho, um relés tiquinho de quentura sob as cobertas, a vida não pode deixar de existir no seu movimento contínuo. , Não era tempo de pausa, era tempo de levantar e seguir adiante, era tempo de abrir as janelas, era tempo da água no fogo, era tempo do café na mesa, era o dia pedindo passagem, um abre alas, igual a porta - bandeira na avenida. Assim, o acontecido no acontecendo, no imediato do instante, do tempo que segue mesmo sem os ponteiros do relógio.
Decerto que não podia. 0ra pois que sim. Não podia, inda que se desejasse, inda que o sujeito, o desconsiderado, o espalha roda, o mequetrefe, insistisse, não era possível receber o mentecapto como um alguém que todos respeitassem. Ele próprio não se dava ao respeito; saiu sem nada dizer, saiu como quem foge, como quem sabe que cometera um crime e não quer ser pego. Ora sim! Ora sim, que depois de tanto tempo, o sujeito chegar e esperar comitiva, ora sim! Sujeito mequetrefe, sujeito sem jeito.
O dia findou -se. A noite chegou. Outro dia de trabalho encerrado, todos recolhidos. A lua ilumina a noite escura.