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MUDAR DE VIDA
Alva percorreu pela última vez o olhar pelos cómodos da sua velha casa, tão degradada mas também tão cheia de doloridas recordações, sobretudo dos últimos tempos…
A salamandra decrépita que queimava a custo uns toros de lenha de azinho, aquecendo parte da casa, o teto da sala onde ela se encontrava, batizado de fuligem, toda a casa requeria há tempos uma pintura a sério, não umas pinceladas que o genro preguiçoso dava de vez em quando…
Tinha tido azar com tudo… Arrependeu-se da educação que dera aos filhos, tanto a Laurinha como o João tinham tido demasiado dinheiro à disposição, durante muitos anos não lhe deram o devido valor, nada lhes faltava, bons carros, casas, dinheiro para viagens, para gastar sem nexo.
Durante anos e fruto do trabalho do marido, foi construído um império, várias empresas, o dinheiro parecia que fluia de uma nascente no jardim…
Viagens, casas, carros, enfim tudo aqui que o vil metal pode proporcionar… Vã ilusão!
Mas como o que é bom um dia acaba, vieram os tempos difíceis e o que tinha sido facilidades dadas pelos bancos, transformou-se, por ação da crise económica mundial, numa mingua de recursos, os financiamentos secaram e as empresas foram estranguladas com as dívidas remanescentes. Muitos suicídios ocorreram devido à vergonha de quem vivia bem e de repente ficara na miséria. Surgiu a pobreza envergonhada, algo que até então era desconhecida de muitos...
O que se aproveitava eram os netos, cada um dos filhos tinha-lhe dado essas bênçãos de Deus. Meigos, sempre à roda dela e do marido, um mouro de trabalho até a doença, cruel, chegar… Foi uma violentíssima tempestade que se abateu sobre as suas cabeças e o dinheiro, que anteriormente circulava a rodos pelas suas mãos, por efeitos da crise sumiu, deixou-os sem recursos. O marido finou-se em apenas seis meses, no meio de grande sofrimento, um câncer levou-o deixando-os cheios de dívidas. Para acrescentar à apatia dos filhos, incapazes de a ajudar a encontrar soluções, tinha a nora, um abutre sempre à cata de dinheiro fácil e que acrescentou mais uma substancial dívida nas contas do sogro.
Já haviam passado vários meses desde a morte do seu amado esposo e agora tivera de encarar o último passo: vender a casa, que de facto era grande, tinha um jardim agora descuidado mas ainda resultava em bom dinheiro, não tanto como o que ela precisava mas a degradação e a falta de pintura também não a valorizava. Precisavam de uma casa mais pequena e menos dispendiosa em termos de manutenção.
Saiu para a rua, deitou um último olhar para a silhueta daquela que em tempos fora uma das casas mais invejadas do burgo, envolvendo-a com a sua mágoa, e depois, amparada pela filha sempre carinhosa com ela, entrou no carro abafando uma última lágrima.