Histórias que gosto de contar – Paixão avassaladora

Gilberto Carvalho Pereira - Fortaleza, CE, 2 de maio de 2023

A realidade de todo jovem é graduar-se em uma profissão dos sonhos, quase sempre seguindo a carreira do pai ou da mãe, principalmente quando esta tiver concorrido para a projeção social e financeira da família. O que antecede ao tão almejado acontecimento reveste-se de sensações incontroláveis: muito estudo e concentração, afastamento dos gozos e prazeres materiais durante os preparativos para o vestibular e no decorrer do curso. Uma vida de sacrifício!

Depois de formado, resta também ir à procura do aguardado trabalho. Para aquele mais bem relacionado, as coisas são mais fáceis. Foi o que aconteceu com Aiken Westley., filho de conceituado médico inglês, que chegara há mais de 20 anos ao Brasil. Sempre guiara o filho para assumir o seu lugar na filial de um hospital do qual era proprietário. O filho faria antes um curso em um hospital na Inglaterra, durante três anos, voltaria e assumiria o seu posto ao lado do pai, até a aposentadoria desse. A família estava satisfeita, tudo esquematizado.

No dia da partida para a Inglaterra, Aiken deixou claro que não queria ninguém de sua família no porto, de onde embarcaria para a Europa. Sabia que iria sentir muito, mas não queria guardar lembranças de choro em sua viagem.

No dia da partida, o médico recém-formado ficou por mais de quatro horas esperando o desembarque do navio, que chegara à noitinha. Os passageiros só iniciaram o desembarque, após as oito horas da manhã. Ficou ali, pacientemente olhando para o navio, acompanhando o seu balançar provocado pelas ondas do mar enfurecidas, naquela manhã. Observava também o descer dos passageiros, vindos da Europa, ainda vestidos com trajes para frio. Cansados depois de uma longa viagem.

De repente os verdes olhos dele viraram em direção à bela moça, que elegantemente vestida de preto, descia compassadamente a íngreme escada de acesso ao velho navio, que teimava em singrar pelo Atlântico trazendo Europeus, para fixar residência no Brasil. Sua cabeça começou a girar de um lado para outro, os olhos brilhavam, andava de lá para cá na sala de embarque do porto. Precisava se encontrar com aquela mulher, conversar com ela, não ficaria sossegado enquanto isso não acontecesse. Sabia que dentro de pouco mais de meia hora, todos os passageiros já teriam desembarcados. Mais que depressa procurou algum trabalhador do porto para saber aonde eles estavam sendo levados. Obtido a resposta, correu para o local indicado, esquecendo suas malas, que ainda não tinham sido despachadas.

Ao chegar perto da passageira de preto, Aiken se recompôs, aproximou-se e em seu inglês casto, perguntou:

─ Do you speak english?

─ Sim, eu sou brasileira, olhando para ele admirada.

Naquele momento o coração de Aiken bateu acelerado, nunca tinha recebido um sim tão belo, tão alentador.

─ Você vai ficar por muito tempo no Brasil?

─ Sim, estou voltando para a minha terra natal, e daqui nunca mais sairei.

─ Muito bom isso. Você, posso chamar-lhe assim, tem parentes ou amigos nesta cidade?

─ Tenho, mas terei que procurá-los. Há anos que meus pais foram para a Europa. Eles perderam o contato com seus parentes, coisas da guerra. Já não tenho referências sobre eles. Vou tentar recuperá-las.

─ Eu posso ajudá-la? Meus pais são muito bem relacionados, são médicos conceituados em todo o País.

─ Ajudar-me-ia muito, fico-lhe muito grata.

Cada aceitação da dama de preto, crescia a paixão que Aiken passara a sentir, era incontrolável.

─ Então está tudo acertado, inicialmente você vai para a casa de meus pais, depois, quem sabe, a acomodaremos em outro local.

─ Você não imagina quão grata ficarei. Jamais imaginei encontrar alguém tão prestativo. Meu coração está pulando de alegria por estar ao seu lado, uma pessoa tão amável, principalmente nas condições atuais, o mundo em convulsão. Mas, o que estava você fazendo aqui no porto, quando cheguei? Surpreendido com a pergunta, Aiken não respondeu, mas sabia que acabara de nascer um grande amor em sua vida e já percebera que seria correspondido. A felicidade se abrira à sua frente, o semblante da dama de preto também irradiava felicidade, era a certeza que tudo caminharia bem. Quanto aos cursos no exterior e a sucessão do pai, ficaria para um outro momento.

Gilberto Carvalho Pereira
Enviado por Gilberto Carvalho Pereira em 02/05/2023
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