Quermesse em Viçosa
QUERMESSE EM VIÇOSA
Era uma vez, na cidade interiorana de Viçosa, em Alagoas, nordeste brasileiro... deveria começar assim a minha estorinha.... na verdade, uma estória de amor nos idos anos 40 na cidade de meus pais, avós e bisavós. Nossa cidade sempre teve vales verdes, rios transparentes, locais para pesca e passeios, grandes reservas de matas, mas o que mais representava nossa cidade era o fervilhar cultural, principalmente a literatura e o folclore regionais : pastoril, reisado e guerreiro, durante o período natalino e no período junino; as quermesse da igreja, comandadas pelo Padre Antônio eram o que realmente mexia com a cidade.
1942 foi um ano especial em minha vida; estava com 17 anos e terminando o curso normal. Meu sonho, como o de muitas moças na época, era me tornar Professora diplomada; adorava criança e pretendia lecionar por muitos anos, alfabetizando e ajudando na evolução de minha cidade.
Nesse lugar de onde vim, a moça tinha que preservar o “tesouro”, o “precioso” até o casamento, e isso era difícil, porém, pela rigidez da época e apelos morais, casávamos virgens.
Durante as festas juninas daquele ano, nossa comunidade se envolveu com os preparativos, de uma forma jamais vista, pois era preciso arrecadar dinheiro para a restauração da igreja da matriz de Nossa Senhora do Amparo, padroeira da cidade.
Padre Antônio, durante suas missas, aproveitava o sermão para falar sobre os preparativos da quermesse, bingo, concurso de dança, de beleza, pescarias e tudo mais que a cidade tivesse direito para incrementar a festa, atraindo visitantes das redondezas e da capital.
Todos da cidade estavam envolvidos e fiquei com a turma jovem. Passamos mais de 40 dias para organizar tudo e na cidade só se falava nisso. O Prefeito mandou vim da capital um som amplificado para a praça e com ele vieram os técnicos da companhia energética. Foi aí que conheci o Luís... meu Deus!!!! Que homem lindo, que olhos! Nunca tinha visto um olho daquela cor. Os olhos do Luís eram cor-de-azeitona, cintilantes, lindos! Fiquei a olhar de longe.
No domingo da festa, tudo praparado, arrumado. Cheguei com minnhas amigas logo cedo e esperamos o sorteio para saber em qual barraca cada uma iria ficar. Fui sorteada para a barraca da maçã-do-amor. Minha amiga Vera ficou com a Sandra na barraca do beijo, mas como era por uma boa causa, foram com alegria.
No final da tarde, Vera teve uma febre repentina e precisavam substituí-la na barraca-do-beijo, mas por quem? Por mim! Por mim? Meu Deus, por que eu, no meio de tantas moças? Como iria beijar? Jamais havia beijado na boca, nem sequer tive namorado até então. Rezei uma Ave-Maria e fui para a barraca, já com as mãos geladas de nervoso e pedindo a Deus para que, se precisasse beijar na boca de algum rapaz, minha mãe não ficasse sabendo.
A fila andava na barraca-do-beijo e os meninos só conseguiam de mim, nada além de beijo no rosto ou na testa, muito respeitoso, pois todos me conheciam e não ficava bem sair “beijando por ai”. De repente, o que vi lá no final da fila? O Luís, o rapaz da capital da companhia energética, o rapaz de olhos cor-de-azeitona. Deus, Deus me ajude... pensei apavorada com a idéia de estar a milímetros daquele rosto.
Já contava com 52 rapazes que passaram na barraca e todos reclamavam de como era difícil conseguir alguma coisa comigo. Na vez do Luís, dei nos ombros e me fiz de tranqüila, dona da situação, mas quando senti seu rosto perto do meu, seu hálito, seu calor e fitei seus olhos nos meus, não consegui fazer nada a não ser fechar os olhos. Ele não se fez de rogado e tascou um beijo na minha boca que quase desmaiei. Deus no céu, será que alguém tinha visto? Alguém iria contar para minha mãe? Para minha surpresa, parecia que ninguém havia notado, a não ser por minha cara rubra e quente; tudo parecia normal.
Luís ficou me olhando de longe por toda a festa, observando cada passo meu, tomando conta e continuou a olhar e a tomar conta há exatos 50 anos, o tempo que temos de casados, tempo de amor e cumplicidade, o amor que começou com uma festa de quermesse no inteiror.