Histórias que gosto de contar – O confessionário preferido

Gilberto Carvalho Pereira - Fortaleza, CE, 25 de abril de 2023

Década de 1956, os adolescentes que pertenciam à Congregação Mariana de uma Igreja de Fortaleza reuniam-se todos os sábados, à tarde. A frequência era regular, o diretor que a dirigia era pessoa afável, mas muito exigente. Não gostava de menino preguiçoso, todos tinham que fazer algum serviço na Igreja. Os paramentos dos padres deveriam estar sempre em ordem e colocados nos lugares dos seus respectivos donos, qualquer troca era um desconforto para o garoto que fizera a troca, com certeza por descuido.

Aqueles que estavam ali por obrigação, forçados, praticavam bullying contra os abnegados da congregação, que zelosamente cuidavam dos pertences da igreja e dos padres. No entanto, nunca ousavam chegar às vias de fato, de brigarem entre eles.

Os Congregados durante as reuniões usavam uma fita azul, em volta do pescoço, em cuja extremidade tinha pendurada uma medalha prateada com a imagem do Nosso Senhor Jesus Cristo de um lado e do outro, a da Mãe Santíssima, a Virgem Maria. Fita que também deveria ser usada nas celebrações da Igreja, e, principalmente, em seu recinto.

Eram em número de quinze os congregados, alguns conscientes de suas participações, outros estavam lá por vontade e imposição das famílias, extremamente católicas, que não conseguiam impor suas autoridades perante os filhos. Iam com a mãe ou pai, que serviam a igreja, espontaneamente, tradição passada de pais para filhos, de longa data.

As reuniões com os garotos, eram conduzidas pelo padre Leo, descendente de alemão, homem forte, de vigor físico avantajado, mas respeitoso e camarada. Sempre relevava o comportamento de alguns dos meninos, principalmente em relação aos que ele sabia, estavam ali por imposição. Os assuntos tratados diziam respeito ao comportamento do garoto religioso, como esse deveria se comportar, ensinava-se as rezas, falava-se de Jesus Cristo, de sua mãe Santíssima, da vida dos santos e outros assuntos comportamentais. Rezava-se no início e no final das reuniões.

Havia uma diretoria, escolhida entre os congregados, composta de: um presidente, identificado com cinco estrelas colocados na fita, do lado esquerdo; um vice-presidente, identificado por quatro estrelas; um secretário e um tesoureiro, identificados com três estrelas, cada. Não havia nenhuma autoridade sobre os congregados, mas a investidura em qualquer desses cargos, exercia certa fascinação, eram ainda crianças e não entendiam nada sobre poder. Mesmo assim, era com orgulho que cada um ostentava suas estrelas. Nas missas tinha lugar especial para os componentes da congregação.

Havia um velho padre que sempre estava na igreja, na hora da confissão. As filas que se formavam frente ao seu confessionário eram sempre maiores que as dos outros. O preferido dos meninos da congregação, os novatos ficavam intrigados com isso. O motivo nunca era passado aos noviços, que escolhia o padre onde a fila fosse menor, para se livrarem rapidamente. Afazeres os esperavam em casa, mas a parte do sacramento da penitência, que diz respeito à declaração dos próprios pecados, para uns, era realizada com toda reverência e fervor. Esses, faziam parte do grupo de criança cujos pais se dedicavam aos trabalhos da igreja, como auxiliares dos padres, os acólitos.

Em uma das reuniões da congregação, um desses meninos pediu para falar, para fazer uma denúncia sobre o comportamento de um grupo. O padre cedeu-lhe a palavra e ele levantou-se e começou a falar:

─ Padre, não é certo que nós devamos agir de má-fé, não é mesmo?

O padre, assustado com aquela pergunta, principalmente por vir de um menino de comportamento exemplar e sem malícia, respondeu:

─ Meu caro, é verdade, e isso vale não só para os que frequentam a igreja. Todos devem ter comportamento exemplar. Então, qual o problema?

─ Têm frequentadores de nossa congregação que estão escolhendo confessar com o padre Miguel, sabendo que ele é completamente surdo e cochila durante as confissões.

Desnorteado, Padre Léo baixou a cabeça, demorou pensando, pedindo a Deus uma resposta para aquela pessoa à sua frente, que precisava compreender quem assim agia.

─ Bem, não é fácil falar para criaturas que assim procedem. Durante o nosso crescimento, na nossa vida, temos tempo de aprender, de distinguir o certo e o errado. Vamos rezar para que essas pessoas tenham tempo de aprender. O padre pegou sua pasta, rezou uma Ave-Maria e se despediu da gurizada, desejando boa noite para todos.

Gilberto Carvalho Pereira
Enviado por Gilberto Carvalho Pereira em 25/04/2023
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