Compadre Janete
O aniversário da priminha no ano passado, papai me levava. No caminho, fazia a eterna brincadeira dos doces que levaria pra casa e perderia por escorregar na careca do tio Benjamim. Enquanto isso, pensei aquele povo tem dinheiro, fofoca com parente não tem erro, vem mesmo. Brigadeiros, cajuzinhos, balas de melado enroladas em papel de seda colorida... O bolo de aniversário, os copinhos de guaraná gelado. Às vezes balões, às vezes chapeuzinhos ... E o navio enorme, de chocolate, velas de navegação fenícias feitas de algodão doce? Obra de arte. E a água do mar em volta, parecendo mesmo onda de um mar de anilina, não é incrível? O Compadre é um artista, ele quem fez, será que este ano vai fazer também, pergunto pro papai.
A parentada em casa. Me solto da mão do papai e vou logo pro quarto dos meninos, estão jogando futebol lá dentro, tem base? Claro que jogam futebol, afinal o Brasil é tri. Na sala, todo mundo falando alto, Tio Zeca, já meio bêbado, abraçando uma gorda de rosa. Tia Darlene na cozinha ajudando o Compadre, ele de avental, de vez em quando um abraço e um beijo na testa da tia Darlene...
Papai diz lá em casa que não acha certo, mamãe não diz nada. Quando diz, dá uma de político:
- Acho que é problema da família, o Zeca e a Darlene que resolvam, nem sua irmã devia entrar na história. Não dou palpite, os parentes são seus. E por que essa certeza de que tem dente de coelho? Hoje, tudo moderno demais, vai ver é só amizade.
- Não sei, mas acho que o Zeca devia proibir essas coisas, não fica bem, até o Marinho, o irmão caçula da Darlene, anda comentando.
E mamãe encerra o assunto:
- Homem só tem besteira na cabeça, vai deitar, cuida da sua vida.
No ano seguinte, perto de outro aniversário da priminha, velório do pai da Darlene. Chá de erva-cidreira, Darlene quase desmaiando, tem que tomar uma copada de meio litro duma vez. Zeca não gostava do sogro, desavenças antigas, não compareceu, papel feio. Quem consola tia Darlene? O Compadre.
Papai repara na mão dele no ombro dela. Está sentada atrás da porta, no canto da sala, os cotovelos apoiados na mesa das rosas de plástico. Papai repara na cabeça dela procurando o peito dele. Papai nota que ele vai ali, busca uma cadeira, se senta perto, ela deixa a cabeça descansando no ombro do Compadre, agora toda confortável. Ela cala e chora, soluça e destampa num berreiro, cala de novo, duma vez, soluça baixinho, chora de novo, ele alisando os cabelos dela, ela se escondendo no peito dele, a cara inchada de chorar.
Dona Rosa, amiga da família, puxa conversa com papai. O velho gostava tanto do Zeca, que papelão, hein? Papai concorda, mas... Pois é, gostava muito, mas era muito autoritário, o Zeca é gentil, fala baixo, sabe escutar... Mas sabe de uma coisa? É gente muito cabeçuda esse povo da minha irmã.
O Compadre sai amparando Darlene, vão pro quarto de passar roupa. Papai balança a cabeça, tsi tsi tsi, acha que eles estão é exagerando. O Zeca precisa tomar providência. Tem hora que homem tem que mandar.
Hoje, tia Darlene, de cara inchada, chegando na nossa casa, papai é quem abre a porta, ela destampa num berreiro, chorando como ele nunca viu:
- Tio, se eu soubesse, tio ... se eu soubesse...
Muitos anos depois, papai ainda comenta o seu engano, já até pediu desculpas a tia Darlene por ter pensado mal dela. Tio Zeca, ninguém sabe onde anda. Depois que deixou o emprego, a família e fugiu com o Compadre, só escreveu uma vez, de Aparecida do Taboado, pedindo pra todos se esquecerem dele, que hoje é muito feliz e se chama Janete.