MAOS NEGRAS DOIS
Icaro ali com seu sorvete de morango presente de Onofre o padrasto que sua tia mãe arranjara há duas semanas.
- E ai vai jogar?
- Agora não.
- Por quê?
- Tô de boa, sorvete.
- Sei, depois vai ter de ir protime do gordo.
- Deus me livre, ruim demais, paia. Risos.
O garoto desce da mureta e segue com Jordão seu amigo de rua e escola.
- Vou começar a trabalhar.
- Onde?
- Lá na oficina do Jair.
- Aquele velho do ferro velho?
- Ele mesmo, sabe, o sobrinho dele tá com a Tiana.
- Nossa, tua prima já esta de namoro?
- Ué, ela disse que vai fazer geral.
- A vó do Luis não quer ela por lá.
- Tô sabendo, e ai como foi com a sua mãe?
- Sobre a briga, nada, de boa.
- Nem contou, sacana. Risos.
- Ficou louco, se ela sabe, nem estava aqui.
- Tá ficando esperto muleke.
Ja na beira do terreno agora rodeado por duas construções municipais, o PSF e uma creche, lá encontram mais vinte garotos, times formados e começam a rolar a bola.
Orlando olha para Laércio ali a terminar o conserto de uma bike e olha no balcão, laura, sua neta de 16 anos esta perdida em amores pelo seu mais antigo funcionário.
- Laércio.
- Sim, seu Orlando.
- Pegue aqui este dinheiro.
- Para quê?
- Não precisa mais ficar aqui.
- Mais seu Orlando, o que eu fiz?
- Não é o que fez.
- E então?
- Olha, essa garota, minha neta, ela esta ficando perdidinha por você.
- Eu respeito o senhor, ela, o trabalho aqui.
- Sei mais até quando, logo o desejo bate.
- Seu Orlando.
- Vai, eu já liguei pro Rúbio, ele vai te dar um trampo por lá.
- Se o sr decidiu assim, tudo bem.
O homem pega a grana e sai cabisbaixo dali.
- Onde o Laércio vai, vô?
- Ele foi almoçar.
- Mais ainda são dez horas.
- E daí, eu quis que ele fosse.
- Nossa vô, o sr últimamente esta ficando um saco.
- Tô e vou ficar mais.
Laura olha o rapaz desaparecer ali na rua, trabalha há dois anos para seu avô, só nos últimos dois meses ele tem olhado para ele com os olhos do bem querer.
Matilde termina de colocar a mesa para o filho dos patrões, Arthur como sempre faltara a aula da faculdade, só neste mês é a terceira falta.
- O que foi dessa vez garoto?
- Dor de cabeça, é um saco ser eu.
- Faço idéia.
- Sei, cadê meus pais?
- Trabalhando, afinal lá no escritório não pode faltar, nem ter dor de cabeça, se tiver, tem de resolver por lá mesmo.
- Cadê a Isolda?
- Esta preparando o almoço, mais acho que foi lá para cima ajudar a Val no seu quarto.
- A Val veio?
- Garoto pare de brincar, viu o que seus pais me disseram, tenho carta branca para te entregar viu.
- Ah, Matilde, sei que me ama, olha eu gosto da Val, como amigos.
- Sei, assim como sei onde terminam essas amizades.
- Onde?
- Férias para você, rua para ela.
Matilde olha firme para ele e sai dali, Arthur engole as pressas e corre de volta ao quarto.
- Oi Val.
- Oi seu Arthur.
- Me chama de Arthur, só Arthur tá.
- tá.
- E ai, gostou do presente?
- A pulseira, sim, muito linda.
- Quando vi lá na banca perto da facul pensei, é certa para a Val.
- Obrigado.
- e ai?
- Ai o quê?
- Quando vai poder ir comigo para aquele cinema?
Seu Arthur, vou ser sincera, preciso demais deste serviço, quero começar minha faculdade no próximo semestre.
- Sério, posso te ajudar.
- Me ajuda muito deixando as coisas assim como estão.
- Como assim?
- Sou a empregada da casa, novata, preciso do dinheiro e gosto muito do trabalho aqui, seus pais são pessoas boas.
- Bons patrões.
- Pelo jeito já deve ter ouvido isso de outras.
- Tudo bem, não vou mais te importunar.
- Não se trata de importunar, só quero manter as coisas assim, respeito a família.
160423....................