Histórias que gosto de contar - Empatou, doutora!

Gilberto Carvalho Pereira - Fortaleza, CE, 11 de abril de 2023l

O Centro de Pesquisa do Cacau, CEPEC, foi criado pelo decreto 1.960, de 27 de dezembro de 1962, com o objetivo de realizar pesquisas e trabalhos experimentais sobre a agronomia e a tecnologia do cacau. Estruturado o Cepec, constatou-se a necessidade de formação de mão-de-obra especializada para a lavoura cacaueira da Bahia, tendo a Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira -Ceplac, criado a Escola Média de Agropecuária da região Cacaueira – EMARC, em 1965, no município de Uruçuca, BA para fazer frente a essa demanda.

Alguns jovens formados nessa instituição, foram contratados para trabalharem em seus laboratórios e nas demais atividades relacionadas aos objetivos da Ceplac, para o soerguimento da lavoura cacaueira, que naquela época encontrava-se em declínio.

Assim, em 1969, apresentaram-se na divisão de solos, para auxiliarem aos pesquisadores em seus projetos de pesquisa, e realização de análises de solos para produtores de cacau, os técnicos agrícolas Bomfim, José Neator, Gilson e Antônio Carlos, este, considerado um dos melhores alunos da turma. Eram jovens dispostos a aprender e trabalhar. Com um mês de estágio todos já dominavam as tarefas do laboratório, como preparar as soluções utilizadas nas diferentes análises, operar os aparelhos, como o fotômetro de chama, para a determinação do sódio e potássio; o colorímetro, para o fósforo, sílica e titânio; o potenciômetro, para determinação do pH-potencial hidrogeniônico; o alumínio, o cálcio e o magnésio eram determinados por titulação.

O laboratório fora instalado em um galpão de madeira, anexo à casa da sede da Fazenda Corumbá, uma das áreas adquiridas pela Ceplac para a construção do Cepec e demais unidades: Extensão Rural, Administrativa, Restaurante, Hospedaria, Granja e outras.

A equipe do laboratório de solos era coesa, realizando trabalho perfeito e compatível com as atividades desenvolvidas em todas as unidades de pesquisa do órgão. O atendimento ao programa de adubação do cacaueiro, exigia esforço redobrado, para satisfazer o período exigido para essa prática agrícola.

Os técnicos agrícolas contratados respondiam a contento, eram muitas amostras de solo a serem analisadas, exigia atenção e cuidados para não haver erro. O único técnico agrícola que precisava de acompanhamento era justamente o melhor da turma. Era disperso, não gostava de fazer as tarefas que lhe cabiam, vivia rascunhando música, para um dia ser famoso, dizia. Seu objetivo era estudar para passar no vestibular e cursar a faculdade de Engenharia Civil, em Salvador. A responsável pela o laboratório vivia a lhe chamar a atenção, mas não tinha jeito, era cada vez mais descomprometido com o trabalho, negligente ao extremo. Os companheiros de escola e agora de trabalho, não lhe davam mais atenção, queriam se livrar do colega trapalhão a todo momento, para não se comprometerem.

Certa ocasião, na sala de preparação das soluções, na qual não gostava de permanecer, sentia sempre náuseas quando era obrigado a ali trabalhar, deixou cair um balão de vidro de 200ml, de uma solução a 20% de ácido clorídrico, deixando o ambiente insuportável. Nesse momento adentrava ao recinto a responsável pelo laboratório e, sem cerimônia alguma, começou a ralhar com Antônio Carlos:

─ Menino, você não tem jeito mesmo, não faz nada direito, atrasa o trabalho, dá prejuízo para a instituição, quebrando vidro de laboratório, desperdiçando produtos químicos. Isso custa dinheiro.

Essas observações ríspidas deixou o garoto envergonhado, que baixou a cabeça, dando início a uma tremedeira e, disfarçadamente, tentava engolir o choro que compulsivamente insistia jorrar.

Nesse momento, a chefe, ao chegar-se mais para perto do garoto, com o intuito de continuar com a espinafração, seu braço chocou-se com um balão de vidro de 2.000ml, com solução já pronta de soda cáustica a 45%, fazendo-o estilhaçar-se em pequenos pedações, e o seu conteúdo atingir às pessoas ali presentes.

Esquecendo o carão que havia levado da pesquisadora, rápido e ligeiro, exclamou, de peito lavado:

─ Empatou, doutora!!!

A mulher afastou-se mais que depressa, receosa de ouvir as risadas dos demais ali presentes. José Carlos, o menino, sentiu-se vingado dos dias que fora vilipendiado por sua algoz.

Gilberto Carvalho Pereira
Enviado por Gilberto Carvalho Pereira em 11/04/2023
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