Histórias que gosto de contar – Complacência dos chefes
Gilberto Carvalho Pereira – Fortaleza, CE, 4 abril de 2023
Antes da Lei que instituiu o Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União – Lei 8.112, de 11 de dezembro de 1990, a servidora pública federal, em licença-maternidade tinha direito a gozá-la durante 60 dias. Não foi o que aconteceu com Margarete, lotada em uma repartição pública federal, com filho de um ano de idade, deu entrada em seu pedido de licença-maternidade, antes de uma nova criança nascer. Não demorou, a gestante pariu uma menina e, decorridos os 60 dias a que tinha direito, preparou-se para pedir demissão do cargo que ocupava, não teria condição de deixar as duas crianças sozinhas
Convencida por uma colega de trabalho a ter paciência e esperar até o outro dia, com a promessa que falaria com seu chefe sobre a impossibilidade da amiga voltar a trabalhar, Margarete se acalmou. Suas condições atuais: dois filhos pequenos para cuidar, marido trabalhando em outra cidade, sem parentes na cidade onde moravam, não lhe permitia afastar-se de sua residência um minuto sequer.
A resposta veio rápida, o consentimento para ficar em casa, sem ir ao trabalho, agradou sobremaneira à funcionária, seus dois filhos não ficariam desamparados por mais alguns meses, não sabia, ainda, por quanto tempo. Nesse período tentaria arranjar uma pessoa de confiança, para cuidar de seus filhos. Infelizmente, ocorreu o que ela mais temia, a mudança do chefe da repartição, que ao tomar conhecimento do que estava acontecendo, mandou chamar a funcionária. Em princípio, o novo chefe era totalmente contra àquela situação, não condizia com as normas regimentais do serviço público. Foi uma decepção para a senhora, que passou a chorar desesperadamente.
Constrangido, o dirigente procurou localizar uma brecha entre as regras estabelecidas, encontrando que, em casos excepcionais, uma funcionária poderia se ausentar do trabalho, por um período bem maior que o previsto, desde que não ultrapassasse um ano. O acordo foi firmado, a mãe voltou para casa satisfeita.
Na desordem ou incompetência dos administradores, o tempo foi passando e dona Margarete foi ficando em casa, recebendo seus proventos, regularmente depositados em conta corrente no seu banco, todos os meses. As crianças cresceram, o marido voltou a trabalhar na mesma cidade onde vivia sua família, e tudo se acomodava. Não havia necessidade de a funcionária ir até à repartição que estava sempre lotada de funcionários, um verdadeiro cabide de emprego, tudo que lhe dizia respeito, recebia em casa. Tinha receio de ir ao local de trabalho, ser reconhecida e obrigada a voltar para as suas enfadonhas atividades. Desacostumada, percebia que tudo estava ficando diferente, novos funcionários, o ambiente reformado, talvez a rotina que outrora, diariamente enfrentava, estivesse modificada, mais complexa, o que não seria do seu agrado. Não tinha disposição para passar por curso de adaptação, estudar, enfrentar os novos funcionários, todos jovens, muitos com formação universitária. Por certo, seria olhada com desconfiança e colocada para realizar tarefas inferiores, que não lhe agradasse.
Passados quinze anos, e enjoada dos serviços domésticos, de ficar em casa, resolveu fazer uma visita ao antigo local de trabalho. O primeiro impacto foi na portaria, que, por ser desconhecida, foi impedida, pelo segurança, de entrar. Pediu para falar com antigos colegas, alguns deles, possivelmente, já aposentados. Finalmente veio uma colega, de seu tempo, que naquela época era bem jovem. Surpresa, não se reconheceram. Passado o primeiro contato, ambas se identificaram, rolou aquele abraço.
Conversaram um pouco, ainda na portaria, contaram as novidades, vindo a colega saber que Margarete continuava funcionária daquela repartição, só desconhecia o motivo de seu sumiço prolongado. Convidada a entrar, a conhecer as novas dependências de seu local de trabalho, alguns colegas a olhavam com perplexidade, muitos sabiam da história da funcionária que havia desaparecido misteriosamente.
Depois do passeio pelas diferentes dependências pediu para ir até o setor de pessoal, queria solicitar sua aposentadoria, precisava de instruções. Atendida em suas pretensões, dirigiu-se até à sala do diretor, instalado em um grande e confortável ambiente. Sentado em uma cômoda cadeira, por trás de uma grande mesa de trabalho, encontrou o mesmo diretor que a ajudou a ficar tanto tempo afastada de seu local de trabalho. Ele olhou em direção à pessoa, à sua frente, reconhecendo-a, levantou-se e dirigiu-se à Margarete, solicitando um abraço. Ambos apanhados pela emoção, ficaram um tempo abraçados e sorrindo.
Felizmente a aposentadoria a que tinha direito, foi concedida.