Vende-se máquina de lavar
Quando o homem tirou as medidas da máquina de lavar, não teve mais como manter o autoengano: a mudança não caberia naquele frete, algo teria de ficar pra trás.
- Ficar pra trás... - repetiu para a bagunça do seu apartamento.
É quando olha para seus livros. Volumosos. Numerosos. Pesados. Dá um suspiro de pesar e resmunga:
- Fazer o quê, né?
O problema, porém, é evidente: qual critério usar para decidir quais livros vão e quais ficam?
- Bem, a graduação acabou faz tempo...
Maquiavel numa mão, a caixa de doação ali perto, e no peito o enrosco. Ainda lembrava da primeira semana de aula, daquele terrorismo acadêmico, quando correu comprar os clássicos exigidos pelo professor. Seria traição aos grandes pensadores de sua juventude. E não que acreditasse em assombração, mas lhe ocorreu ainda a ideia dum barbudo resmungando conceitos sociológicos no canto do seu quarto em plena madrugada - em alemão! -, e se encheu de pavor.
- Tá, vocês ficam, mas a ficção...
Mas e como fazer, se cada livro era uma história dentro de outra história? Ou um presente inesperado, ou um sebo mofado escondido no centro da cidade, ou uma pessoa, ou um lugar, ou uma dedicatória, ou um ano todo, ou um deslumbramento particular diante de um parágrafo que valia o livro inteiro.
- Não, isso não se joga. Já os de poesia, acho que...
Mas, ora, poesia, mesmo lida e relida, nunca se cansa; sempre se reinventa se é sol ou chuva, segunda ou sexta-feira, alegria ou fundura.
- Bah! Complicado...
Sobraram alguns de autoajuda, mas a timidez e a ansiedade logo levantam a mão para lembrar que ainda estavam bem ali esperando pela ajuda pra lá de tardia.
- Tá, ficam também, mas aí...
E olhando a vazia caixa dos impossíveis livros para doação, nota um ar zombeteiro por trás do papelão.
Resignado, mas não de todo desapontado, ele senta-se ao computador, olha para o teto filosoficamente por um ou dois minutos, até que digita o título do anúncio: "Vende-se máquina de lavar".