A Saga de Godofredo Parte II – Robespierre
03.04.23
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Geoffrey (Godofredo), hipnotizado pela visão esplendorosa de Juliette, enquanto esta caminhava em direção a eles, ouviu Esprit (Cons.) falar em sua mente:
-Lembre-se que não poderá haver romance com ela de forma alguma, pois a linhagem por parte da sua mãe já tem o seu destino definido pelo Samovar!
-Sim, eu sei! Mas ela é linda, mesmo com suas roupas sujas e puídas. Vai ser difícil aguentar.
Ela chegou ao irmão, deu-lhe um abraço e beijou-lhe carinhosamente a face. Voltou o olhar para Geoffrey e Esprit, dizendo-lhes com voz sensual e sorrindo com seus dentes alvos:
-São heróis da Revolução, “mes amis”! Acompanhei vocês, junto com os demais revolucionários aqui de baixo na entrada da torre, no desmonte do primeiro bloco da Bastilha e foi emocionante. “Vive la Revolution!” – disse-lhes abraçada ao irmão, que sorria com ela aos novos amigos.
Guillaume falou para a irmã que não tinham um lugar para ficar e que iriam para a casa deles. Ela falou, olhando insinuante para Geoffrey:
-Mas que ótimo! Teremos três heróis em casa então? –disse sorrindo para ele, que instintivamente retribuiu. Era impossível não fazê-lo, pois o hipnotizava como uma cobra.
-Controle sua impetuosidade, Godofredo! – repreendeu-o Cons..
Os irmãos caminhavam à frente de Geoffrey e Esprit, que acompanhavam o andar ondulante e coquete de Juliette. Ela sabia que a olhavam e, em alguns momentos, voltava sua cabeça e sorria provocantemente para Geoffrey, fazendo-o vibrar de excitação. Cons. fitava-o repreensivo.
Geoffrey ficou pensativo por alguns instantes e perguntou à Esprit:
-O que poderia me acontecer se tiver um romance com ela? O que mudaria no meu destino?
-Você morrerá! Não sairá do coma em que se encontra hoje no hospital. Em hipótese alguma poderá interferir no destino dos seus ancestrais e descendentes e consequentemente no seu. Ele já está definido, entendeu?
-Entendi! Mas, pelo jeito, vai ser difícil meu caro Cons., pois a beleza e sensualidade dela são contagiantes.
Seguiram até a casa dos irmãos. Foi longa a distância percorrida, demorou quase duas horas. Ficava nos arredores de Paris, meio que isolada, em terreno extenso, quase um sítio. Era um sobrado amplo e arejado, com grandes janelas envidraçadas e larga varanda na entrada. Mostrava ser de gente rica, o que deixou Geoffrey e Esprit pensativos.
Juliette percebendo as expressões de questão e estranhamento dos novos amigos, disse-lhes de pronto:
- A casa não é nossa, nós a invadimos. O dono, que é nobre, fugiu com sua família. Estamos vivendo nela já que não tínhamos local para ficar, pois viemos também do interior por causa da fome que nos assolava – diz com voz suave, mas mostrando certo nervosismo em seu tom de voz.
Entraram na residência. Era toda mobiliada com móveis pesados em madeira de lei; paredes revestidas com tecidos finos, assim como os sofás e poltronas; cortinas em veludo, enfim uma casa de quem tinha posses e condição financeira diferenciada. Burgueses ou Nobres poderiam ser.
-Vou lhes mostrar o quarto, me acompanhem – disse-lhes Guillaume subindo a escada em tábuas de madeira larga e beiral ricamente marchetado, acompanhado pelos outros dois. Juliette foi para a cozinha. O aposento era amplo, com uma enorme janela que dava para o jardim arborizado dos fundos da casa, em que se viam árvores frutíferas distribuídas pelo terreno. Uma bela vista!
-Descansem até que o jantar esteja pronto! Minha irmã é ótima cozinheira. Há roupas do antigo dono neste guarda-roupa aqui em frente à cama, podem usá-las se quiserem se trocar. Os chamarei quando a comida estiver pronta.
Godofredo achou estranha a forma de Juliette falar sobre a casa. Resolveu se lavar e descansar um pouco. Estava exausto.
Mais tarde, Guillaume os chamou:
-Jantar na mesa, venham!
Os dois amigos desceram. Geoffrey ia à frente com os cabelos penteados para trás, usando uma camisa limpa em seda branca e calça em veludo marrom, mais parecendo um nobre. Esprit estava com uma camisa vermelha, calças azuis e um colete branco - as cores da bandeira francesa – uma figura engraçada com seus óculos de aros redondos e perfil rotundo e pequeno. Assim vestido, era mais hilária ainda a sua visão. Juliette, que passava pela escada, ao vê-los disse-lhes sorrindo:
-Geoffrey, você está mais para um nobre do que para um revolucionário, hein “mon cherry”. E você, Esprit, é a encarnação da nossa revolução nas cores da nossa bandeira. “Vive la Revolution!” Disse, indo para a cozinha para servir o jantar.
Sentaram-se à mesa, posta de forma suntuosa, com talheres em prata de lei, louças finamente decoradas com detalhes em ouro, copos de cristal, enfim uma mesa rica e abastada. O lustre sobre ela era em pingentes de cristais azuis como ametistas, provavelmente da Boêmia, com velas que iluminavam o salão com luz amarelada e difusa. A lareira foi acesa, ouvindo-se o crepitar da lenha queimando. O local era agradável e aconchegante.
Juliette veio com uma sopeira da mesma louça com detalhes dourados, da qual exalava um cheiro delicioso. Os três homens estavam famintos. Uma bandeja em prata de lei com um enorme pão caseiro e uma jarra de vinho, do mesmo cristal dos copos, completava a refeição. Um jantar e tanto para quem era revolucionário, ou “sens-cullotes”, como pareciam ser os anfitriões.
Geoffrey olhou inquisitivo para Esprit, perguntando-lhe mentalmente:
-Revolucionários fugindo da fome e invadindo uma casa de gente rica, longe da capital? Usando suas roupas, louças, comida e tudo o mais que existe nela sem se preocupar em dividir com os outros que passam fome? Não acha esquisita essa atitude deles?
-Pois é! Vamos ver o que acontece, pode surgir alguma situação que não prevíamos – responde Esprit.
O “cassoulet” estava divino, como o pão. O vinho era delicioso, da Borgonha, que descia pela garganta como um veludo, aquecendo-os. Conversaram pouco durante a refeição, pois a fome e a sede eram grandes. Juliette os servia, mas sempre insinuante para Geoffrey, que lhe sorria embevecido por sua beleza. Cons. olhava-o de forma dura para que a evitasse.
Terminada a lauta refeição, sentaram-se junto à lareira. Guillaume acendeu o seu cachimbo, dando longas baforadas, perfumando o ambiente. Geoffrey e Esprit faziam a digestão.
Então um bater na porta de entrada deixou-os preocupados e desconfiados, pois quem poderia ser àquela hora da noite em local tão distante?
- Eu atendo! - falou Guillaume indo em direção à porta.
Abriu-a, e junto ao portal, estava um homem pequeno e franzino de cabelos vermelhos, óculos de aros redondos emoldurando olhos azuis cristalinos e espertos. Vestia roupa burguesa. Guillaume perguntou ao desconhecido:
-“Bon Soir, monsieur...”?
-Robespierre! Vim conversar com os heróis da derrubada da Bastilha – respondeu o homem circunspecto.
Nota do Autor:
Obra ficcional e qualquer semelhança é mera coincidência.