A Morte do Anjo


Mal desci do carro e meu primo Marcus veio gritando trazer a novidade... 
-“Corre, vem. Nós vamos ver o anjinho que morreu... Vem Iaiah. Corre”. Levei um tempo para entender – um anjo morreu?! Como pode??Será que ele caiu do céu?!! Larguei tudo e saí correndo junto com meus primos e primas e mais crianças que moravam na fazenda. Minha avó ficou gritando, mas nem cheguei a dar-lhe um beijo. O anjo morto era mais importante. Afinal eu nunca tinha visto nem anjo vivo! Fomos todos em fila junto a cerca de arame farpado, seguindo o caminho dos bois e vacas até o rio onde tem uma ponte. Eu fui em silêncio - um anjo morto... Como ele seria? E as asas, como seriam?? Com penas iguais as penas dos gansos?! Fui interrompida dos meus pensamentos quando chegamos ao rio e uma das meninas começou a falar sobre o boi “alongado” que matou o anjinho – então as coisa ficaram piores para o meu entendimento, afinal eu estavas com seis anos e o meu mundo ainda era de faz de contas... e boi “alongado” não existia!! A única coisa que eu sabia ser “alongada” era a carroceria do caminhão da fazenda – meu avô tinha me dito isso.  Caminhei mais um pouco e depois da ponte, mais um caminho de bois e já se ver a casa onde estava o “anjo”... Meu coração começou a bater mais rápido e mais rápido e eu fui ficando para trás na fila de crianças... com medo de ver o anjo morto!! A casa era simples, de trabalhadores do café, era de madeira em pintura e janelas com taramelas e o único luxo eram florzinhas plantadas em latas de óleo, e  a imagem de uma santa pendurada na parede. Subimos os três degraus da varanda e entramos em silêncio - eu, a última nem conseguia engolir a saliva tamanha ansiedade. No meio da sala, dois bancos sustentavam um caixão pequeno tendo aos  quatro cantos velas acesas... Algumas das mulheres chorando  abraçavam uma outra, que estava vestida de preto, e chorava junto do caixão. Meus primos chegaram bem perto para olhar o anjo, e eu fiquei de longe. Então Nasser chamou-me:
 - Vem ver Iaiah... olha, é Léo!
 -Que Léo?! Foi o que consegui falar com a voz quase sumindo.
– Aquele que anda com as pernas de pau.
Senti uma dor imensa no peito – Léo?! Mas nós brincamos de pernas de pau... então o Léo era um anjo?!! Como?? Ninguém tinha me dito isso. E agora ele estava morto e por um boi “alongado” e eu continuava sem saber o que era essa coisa de “boi alongado”-ficava só imaginando o tamanho do bicho! Finalmente meu tio chegou para nos levar para casa, eu criei coragem e olhei dentro do caixão e vi o rosto do Léo - ele estava dormindo! Só isso, estava dormindo!! Comecei a fazer perguntas, mas meu tio me mandou calar que depois falaria sobre isso, em casa. Seguimos para o carro em silêncio pesado e absoluto!! Quando passamos pela estrada que dá acesso a cidade, vimos um multidão - meu tio diminuiu a velocidade do carro para passar e nós olhamos para ver o que estava acontecendo. Eram os colonos e o pai do Léo que estavam queimando o “boi alongado” depois de tê-lo matado a pauladas. Gritavam e batiam com paus na carcaça esfarrapada do boi – era só um boi marrom e de tamanho normal! Mas o castigo foi o mesmo. Senti meus olhos embaçados e as lágrimas caíram quentes e amargas - as mais amargas que já havia sentido! Chorei pelo meu amigo Léo e pelo boi. Tudo na mesma proporção. "Foi uma fatalidade", meu tio depois explicou o que era uma fatalidade. "Ninguém tem culpa quando um raio cai e provoca um incêndio, como ninguém tem culpa quando nas cheias, o rio transborda levando tudo que encontra pela frente. Fatalidade é a Mão do Destino mexendo com nossas vidas, ninguém é culpado, devemos entender e aceitar as fatalidades". No outro dia todoslevamos flores ao enterro do anjo e eu chorei mais uma vez...


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Luciah Lopez
Enviado por Luciah Lopez em 12/12/2007
Reeditado em 20/10/2021
Código do texto: T775525
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