A raiva silenciosa costurada na relação entre mãe e filha; os indícios de brigas iminentes, surgidas de repente como vulcão em erupção, cuspindo palavras que machucam.
> Erros que os pais acabam cometendo, às vezes inconscientemente, na criação de suas crianças, e acabam vindo à vida em forma de desavenças, podendo destruir a relação entre ambos, em alguns casos, para sempre.
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— Vocês precisam conversar. Não dá pra conviver desse jeito, duas pessoas que moram sobre o mesmo teto sem falarem uma com a outra. Isso não existe!
— Não vejo problema nisso. Quem foi que insistiu para que eu voltasse, depois de tudo? "Volte filhinha, dessa vez vai ser diferente". Você, mãe. Insistiu tão exaustivamente que acreditei em suas palavras, olhe agora.
— Só precisa se esforçar mais um pouquinho, filha…
— Passando por cima dos meus limites, certo? Porque é isso que faço desde pequena. Sempre tentando agradar todo mundo, para no final pisarem em cima de mim. No início, seu primeiro marido e a família escrota dele. Você deve se lembrar que sua enteada era mais filha sua do que eu, com certeza, e que foi traída por aquele crápula várias vezes. A mentirosa era sempre eu. Depois me fez ir atrás de meu pai, outro contexto para eu ter de me encaixar, outra realidade e outra família. Depois, outro marido, nova realidade, mais uma meia irmã que não pedi vêm de bônus, de novo. Todas as vezes, tendo que me encaixar e aceitar tudo de todo mundo.
— Mas você é uma pessoa boa, minha filha. Deve entender que tudo o que fiz, tudo que aconteceu foi pensando no seu melhor. Sei que compreende, porque tem bom coração, uma moça de oração, apegada à Deus.
— Meu problema foi esse desde o início. Ser boa e ingênua demais. Sendo sempre a primeira a pedir desculpas mesmo não tendo parcela de culpa na história. Sempre mantendo-me calada, não expressando minha opinião e pensamentos para evitar discutir com os outros. "Tudo bem, filha, fique quietinha por favor, não fale nada para não causar confusão".
— Filha…
— Você criou uma inútil, que não consegue dizer 'não', não consegue estabelecer limites. Se sente orgulhosa disso? Criou uma insignificante, uma mula. Eu estava tentando evitar falar isso, mas sabe de uma coisa, você deveria ter escutado ao meu pai e ter ido naquela maldita clínica, me matado quando ainda estava dentro de sua barriga. Todos os dias imagino quão maravilhoso seria não ter nascido, meu Deus! Você criou uma filha fraca, completamente inútil. Me pergunto se, se sente feliz com isso. Por que, mãe, por que não me tirou quando havia tempo? Será que se você pudesse ter vislumbrado o futuro e, visse que teria uma filha fracassada e deprimida, ainda assim, manteria a decisão de me fazer vir ao mundo?
— …
— É por isso que muitas mulheres preferem não ter filhos, e por outras razões também. Não quero, não quero passar meus genes depressivos para alguém. Não quero colocar essa sina maldita em cima de uma criança… Por isso, desista. Desista de mim. Desista de acreditar que algum dia vou me casar ou ter filhos, desista de querer me ver feliz. Você falhou como mãe. Quis me fazer de acessório, me condicionou a ser passiva aos demais num mundo que devora e depois cospe enojado gente como eu. Ainda fica chocada quando vê meus hábitos auto destrutivos. Ora, mamãe, internalizo tudo, preciso descontar essa fúria devorando meu peito em algum lugar… Não vem com lágrimas para cima de mim, não me venha dizer que estou sendo má! É a primeira vez em vinte anos que finalmente coloco essa mágoa para fora, e isso não é nem a metade dela. Eu (choro), eu odeio tanto todos vocês, palavras não são capazes de exprimir tamanho desgosto alojado dentro de mim.
|[Diálogo conflituoso entre uma mãe e filha, os problemas estavam lá, foram se desenvolvendo ao longo da vida, tornou-se uma bola de neve de palavras pontiagudas;
Teresa (nome fictício, para manter privada sua identidade), espero que faça as pazes com sua mãe algum dia. Obrigada por me permitir colocar esse momento de dor em forma de escrita. É assim que imagino como foi aquele diálogo pesado. Passei por situação semelhante, sei bem como podem ser esses argumentos mais acalorados entre mãe e filha.
Deve ter sido difícil para sua mãe ter ouvido essas palavras. Imagine, alguém que passou nove meses sendo gerado dentro de você, ser cuidado, e depois no futuro dizer que preferia ter sido abortado. Deve ser de cortar o coração… Tente entender a parte dela, pensamos que é fácil, mas não é.
Por outro lado, também consigo entender sua revolta. Vindo de alguém que teve padrastos, meias irmãs, sei que essas dinâmicas são raras de darem certo. Eu penso que mães solteiras deveriam ser mais cautelosas com quem se envolvem, não se trata mais apenas delas, tem uma criança agora para participar da história. Mas também penso que sendo criado por pais biológicos ou não, não é eliminada a possibilidade de traumas e atritos entre os envolvidos. Noventa e sete por cento dos brasileiros, talvez, tenham crescido em dinâmicas familiares disfuncionais.
Que você faça de sua dor algo de força. Use o impulso da raiva, não para sair batendo na galera, mas para mudar sua vida de maneira criativa e positiva. Faça a raiva e a revolta serem forças motoras para fazê-la criar a vida que você acredita ser boa para você.]|