Sem pressa de sair de lá....

Sem pressa de sair de lá...

A julgar pelos lençóis que mais pareciam saídos de uma propaganda, a roupa de cama parecia uma nuvem. O cheiro era tão bom, a cama tão fofinha, que quase sucumbi a vontade de dormir e perder o que me esperava no café da manhã.

Tudo naquele lugar era caprichado: a louça branca portuguesa, as toalhas de linho bordadas, candelabros, jogos de estanho. Tinha tanta geléia de frutas, que até hoje, tenho dificuldade em lembrar o nome de todas. Pãezinhos, bolos caseiros, broas, café e chocolate; tudo isso com vista pra um jardim com inúmeras flores e árvores,uma piscina e cadeiras...várias cadeiras espreguiçadeiras que me convidavam a um cochilo.

Claro que dei uma olhada no jardim, mas tinha que sair e dá uma olhada naquele lugar lindo, que mais parecia uma “cidade de boneca” de tão limpa e cuidada.O que me chamava mais atenção eram as flores e o cheiro no ar.” “ O que seria aquilo?”

Um silêncio reverente tomava conta das ruas, como se o oxigênio pedisse passagem pra nossas narinas. Ao respirar, além do som, se via a fumaça, causada pela baixa temperatura da manhã, o que combinava perfeitamente com meu estado de espírito. Precisa de tranqüilidade, e ali, finalmente encontrei.

Ao chegar ao centro da cidade, pensei ter entrado numa cidade medieval, daquelas que imaginamos quando estamos estudando os tempos da Renascença, ou coisa parecida.

Tudo parecia intocado há séculos: charretes, pessoas andando calmamente pelas ruas de pedras, crianças brincando com seus piões, carros de madeira, de roda.

Existia um pequeno, mas movimentado mercado ao ar livre. Lá vi de tudo: roupas, brinquedos artesanais, frutas, geléias, doces, peças em estanho, e muito, muito carinho e atenção das pessoas. Fiquei encantada!

Como em pleno século XXI, poderia existir uma cidade daquelas? A preservação das árvores dos bosques com seus rios, as praças bem cuidadas me deixavam rubra, às vezes de emoção, às vezes de vergonha, por não poder morar numa cidade daquelas.

Depois dessa “primeira impressão”, resolvi observar as lojas e os restaurantes. Se tivesse dinheiro sobrando, a mim não escapariam as peças de estanho: panelas, chaleiras, tachos e milhares e outros apetrechos de fazer enlouquecer os amantes da cozinha. As toalhas de linho? Um caso a parte! Belíssimas e bordadas a mão, ali, na porta das casas. Essas bordadeiras, pareciam tão tranqüilas e imersas em seus trabalhos, que para nós da cidade, tamanho estado de relaxamento, só com valium ou lexotan em doses cavalares!

Comecei a rir de minhas comparações. As coisas simples da vida, como: andar descalço na grama, ficar na porta de casa conversando com a vizinha, trocar receitas, costurar um vestido de algodão, andar de bicicleta, tomar banho de chuva...essas coisas têm sido tiradas de nossas vidas, por nós mesmos, tido como “civilizados.”

Depois de andar pelas alamedas belíssimas, cobertas por burgarvílias, rosas, carmins, azuis e brancas que me enchiam os olhos; percebi que estava com fome, e voltei ao centro. Olhei as placas dos restaurantes de comida caseira, e a dúvida era “por qual optar?”

Bem, de olhos bem abertos, escolhi um que dizia, em tabuleta verde-esmeralda: “venha e prove a melhor comida caseira da região”. Achei aquilo exagero e fui comprovar.

Depois de mais de quarenta minutos de espera, eu já desconfiada, que a tabuleta deveria acrescentar: “mas, demora”. Chegou um almoço dos deuses do Olimpo. Era tanta comida, que falei pra o garçom: “não é aqui,não.Pedi um trivial caseiro só pra mim”. Ele rio e disse: “a mesa é a 5, senhora! É aqui mesmo.”

Quando lia nos livros de culinária a expressão “se empanturrar”, achava que era coisa de gente mal-educada, homem das cavernas, mesmo! Enganei-me:me empanturrei! Sentada numa mesa sob um lindo jasmineiro amarelo, cuja trepadeira formava uma choupana natural, deliciei-me da melhor comida que jamais pensei que existisse.

Diante da comida, entreguei a Deus os rumos de minha silhueta e quase enlouqueci com a vaca atolada, uma receita de carne cozida com aipim com feijão e um bocado de farofa. Couve, berinjela com queijo...e já que fui pra inferno (com a dieta), abracei um potinho de doce de leite caseiro....uuiiiiiiiii!!!!!!!!!

Depois dessa ousadia e festança gastronômica, tinha que voltar à pousada e conferir se os tais lençóis de linho e os travesseiros, eram tão macios quanto faziam crer. Dormi, quase afundando naqueles lençóis...cheiro de jasmim...o oxigênio,limpo...burgavílias...sono...De repente um grito! Ou melhor, um som bem chato. O que seria, pra atrapalhar meu paraíso interiorano? “Uma ambulância?” Acordei. Meu Deus, estou em casa:poluição, ruas barulhentas, pessoas que não se falam, café às pressas no balcão da padaria...volta à realidade!”

Bem, se foi sonho, ou fui lá, vou saber já. De antemão, fica a vontade de fazer as coisas mais devagar, comer melhor, conhecer meu vizinho, olhar o pôr-do-sol, entre as nuvens cinzentas mesmo.

Tenho vontade de ser interiorana, mas sem que nunca fugisse de minha própria vida, pra ter um pouco de paz.

Simone Lessa
Enviado por Simone Lessa em 12/12/2007
Reeditado em 02/04/2020
Código do texto: T775213
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