Pálidos
“A natureza sempre veste as cores do espírito"
Ralph Waldo Emerson
Estávamos em um bar, onde o verde das paredes não significava esperança.
O papo estava bom, a cerveja mais ainda. Ao meu lado, um senhor dizia que tudo era melhor no tempo dele. Eu escutava com a desconfiança que todo bom ouvinte tem, pois eu sabia que se pode discordar de partes do passado, mas como contestar o passado de uma pessoa? Para quem viveu, o vivido é a verdade.
Eu só tinha o presente. E neste tempo quase tudo estava se derretendo. A melhor coisa sólida ao alcance dos nossos dedos eram as latinhas de cerveja. Aquele cidadão na minha frente não era meu amigo, nem inimigo tampouco. Logo, poderíamos falar de qualquer coisa sem nos magoar. Falávamos alto, acima do burburinho do bar. As cervejas eram nossos microfones.
Olhando para mim e mudando de assunto, ele disse:
— Então, quantas árvores você acha que foram necessárias para fazer aquele balcão ali?
— Uma ou muitas – eu falei.
Enquanto, a pedido, o dono do bar trazia mais duas latinhas, o velho filosofava:
— A floresta de árvores, do meu tempo, foi substituída por uma floresta de loucos – ele disse levantando a lata.
— Concordo – eu disse zombando – mas não se pode dar machadadas nas pessoas por aí.
Ele fez que riu, mas fechou a cara. Depois, deu uma golada na cerveja. Se aproximou de mim e com o cigarro aceso falou soltando fumaça:
—Você sabe quantos litros de água já gastou hoje?
—De água não, de cerveja sim – falei sorrindo.
Compreendi onde ele queria chegar com essa conversa. E fui dando corda. Afinal, o raciocínio dele era bom, mas eu pensava diferente. Na verdade, acho que eu pensava como todo mundo.
Na calçada pessoas bebiam, ouviam som alto. Carros com escapamentos rachados pulverizavam fumaça para todo lado. Olhei para a rua e para a multidão de sábado à noite. Voltei-me para o senhor à minha frente.
— Veja, essas latinhas não é mais um problema, como eram as garrafas de vidro.
— O problema somos nós – ele falou.
Chegou a cadeira mais para perto. Perguntou-me se eu sabia quantas pessoas tinham ido ao banheiro enquanto estávamos ali bebendo. Eu dei de ombros. Então, passou a contar. Foram seis em dez minutos. Enquanto isso, a nossa cerveja acabou e a minha paciência também.
Levantei-me esbarrando na cadeira e deixei uma nota sobre a mesa. Olhei para ele com olhos ébrios e o provoquei:
— Então, é só plantar árvores e economizar água?
— É um começo – disse suspirando.
Apertei sua mão, conferi as horas e saí cambaleando. Lá fora, no meio das pessoas fui me despedindo de um e de outro conhecido. Estava indo para casa, carregando pensamentos e a bexiga cheia. Pensei em voltar para ir ao banheiro, mas relutei. Então, recostei-me a uma placa de Pare na semiescuridão da esquina e fiquei sentindo o cantar da cigarra alucinada numa árvore próxima.
Minutos depois vi o senhor passar. Ele andava vagarosamente. Não me viu. Acho que procurava alguma coisa que depois achou. Pôs a mão direita na árvore e a esquerda na braguilha e urinou no tronco da sibipiruna. Despejou ali toda a cerveja da noite, em seguida saiu de cabeça erguida e com passos lépidos.
Eu, que não queria urinar na rua igual a ele, retornei ao bar só para usar o banheiro. Lá dentro tinha uma fila de gente e barulhos de descarga. Dei meia volta e parei na nossa mesa. A bexiga doía, mas mesmo assim levantei o dedo e pedi outra cerveja. Aguardei que tudo desse certo, mesmo sabendo no fundo do peito que não daria.