ENTRE O TEMPO E O ESPAÇO...

Ela sempre vinha até mim para conversarmos.

Perguntava-me apenas o essencial pois não era do seu feitio gastar tempo com com "futilidades"-dizia- e na verdade não precisava de decisões técnicas, apenas buscava por ouvidos e por corações.

Duma elegância ímpar e discreta, carregava a vasta cabeleira dourada enrolada num baixo coque, e sob um olhar cor de céu, ocultava na beleza natural os seus quase setenta anos.

Viúva, ainda cuidava dum filho doente e duma neta adolescente que lhe gerava preocupações.Nada demais, apenas as reações hormonais.

-Não tenho energia para tantos hormônios...queixava-se resignadamente.

Recentemente, contava, entrou em pânico com algo que lhe acontecera.

Sempre muito religiosa e devota a todos os santos, sentia que sua fé às vezes se abalava.

Expliquei-lhe, tão somente baseada no que sinto, que é da nossa humanidade flutuar na fé.

A materialidade do mundo vive a nos distanciar da Força Maior que chamo de Deus, mas que cada qual a nomeia mediante a sensação que carrega dentro de si.

E que eu acreditava que Deus, na sua onipotência e onisciência sabe que tais enfraquecimentos por vezes acontecem, é da caminhada... mas talvez caiba a nós, apesar das adversidades, pedir-LHE para que regue a nossa fé todos os dias...

Senti que tinha algo a mais para me contar...quase um desabafo...como se um pedido de desculpas ao cosmos...

-Sabe, naquele dia desafiei DEUS, quando LHE disse: Se houver a Tua existência, quero que um passarinho entre aqui em casa...AGORA!

Como nada ocorreu, então CONCLUIU: Está dada a resposta.

Na manhã seguinte, logo ao acordar, ouviu um choro no quarto ao lado.Achou tratar-se da neta.

Abriu a porta e no banheiro da suíte lá estava ele, um filhote de pardal, caído do ninho piando desesperadamente.

Catou uma toalha, delicadamente o aqueceu e depois o lançou à janela.

O passarinho dobrou o horizonte, cantando de felicidade...em busca da vida...

Entreolhamo-nos caladas.

Ela, tanto quanto eu, aprendemos do fato, que os sinais de Deus sempre se fazem presentes no nosso espaço, mas não necessariamente no nosso tempo...

( Fato Verídico)