D. Emilia, ou d. Miloca, do alto dos seus 90 anos, dança forró com o neto na sua festa de aniversário. Mostra uma vitalidade invejável deixando muitos convidados desejando chegar àquela idade com o mesmo vigor. Marocas uma prima, aproxima-se e fala:
- Miloca que festa linda! Só está faltando o nosso querido Antenor não é mesmo?
D. Miloca respondeu na lata:
- Se Antenor estivesse aqui, essa festa não estaria acontecendo Marocas. Graças a Deus ele não está.
Marocas afastou-se sem graça e d. Miloca por alguns minutos lembrou de toda a sua vida onde sempre foi o que os outros queriam que ela fosse. Sufocou sua personalidade, seus sonhos e seus desejos para ser apenas esposa e mãe. Considera-se uma sobrevivente por tudo que passou e poder falar as pessoas que a vida pode ser maravilhosa em qualquer idade. Não é sábia pelo estudo, mas pelas experiências adquiridas ao longo da sua caminhada. Ama a sua liberdade porque durante muito tempo não usufruiu dela.
Até Antenor morrer, d. Miloca saiu do controle dos pais para o do marido que era machista e ciumento. Ele controlava sua vida e nunca perguntou a sua opinião para nada. Dizia como ela tinha de andar, falar, vestir e se fosse apresentada a um homem não podia olhar para ele. Conta bancária nunca teve e dançar que era sua paixão também não podia porque ele não gostava. Quando ficou viúva aos 65 anos, d. Miloca resolveu viver e antes que o defunto esfriasse foi aproveitar a vida e ser livre. Não se importou com critícas nem com o apelido de viúva alegre. Não tem raiva ou mágoa de Antenor, mas não toca no nome dele. Visitas no cemitério? Nem pensar.
Após a missa de sétimo dia, d. Miloca entrou na aula de dança, renovou o guarda roupa, viajou, dedicou-se ao espiritismo, que estudava e frequentava escondida e aos 67 anos viveu um grande amor. No começo rejeitou, mas depois percebeu que Manoel não era Antenor e durantes quatro anos ela conheceu o amor em toda a sua plenitude. Por Manoel ela chorou e visita seu túmulo. Foi um amor que fez valer a sua vida inteira.
Hoje aos 90 d. Miloca comemora a vida e a liberdade com um importante aprendizado: Saber viver bem com todos e consigo mesmo. Não sabe quando sua missão vai acabar mas está pronta para partir de volta a espiritualidade. O neto aproxima-se e pergunta que música ela quer ouvir antes de cantar o parabéns. Smile, meu neto, de Cole Porter, ela responde rindo.
A música invade a pista de dança e d. Miloca desliza feliz nos braços do neto. E viva a vida!