O caronista
Algumas horas com o polegar em riste, e finalmente um carro para:
- Vai pra onde, amigo? - pergunta o motorista.
- Pra frente, eu acho - diz o mochileiro.
Ambos riem. Seguindo o convite, o jovem joga a mochila no banco de trás e entra no veículo.
As janelas abertas refrescam o interior, mas também exigem do rádio um volume alto e dos homens uma conversa aos berros.
...
- E aí, sei lá, larguei tudo - conclui o carona -, peguei o básico, enfiei na mochila, e estou aqui, lá, por aí.
O motorista acena como se compreendesse aquela aventura, mas o anel na mão direita e a reunião com o departamento de marketing na manhã seguinte lhe diziam que dera carona a um desses jovens mimados, desses que chamam de liberdade o que, no fundo, é medo.
- Entendo - diz com um sorriso morno nos lábios.
A conversa cessa, e as músicas do rádio, um programa domingueiro de velhos sucessos, convida aos pensamentos íntimos. O motorista vai ali, pensando em como transformar aquela carona em gracejos risonhos e debochados na salinha do café, entre um relatório e outro; o carona calcula se salta na próxima cidade ou se segue mais adiante, sem critério com que decidir.
Por fim, ele escolhe saltar.
- Valeu, cara, fico aqui.
- Certeza? Isso aí é um buraquinho de cidade.
- Certeza assim não tenho, mas...
E depois das reticências, ri; desta vez, sem que o motorista o acompanhe.
Pega a mochila, bate a porta do carro, agradece outra vez, e logo é um diminuto homem dentro do retrovisor.
O motorista, engatando a quinta marcha, abana a cabeça:
- É cada um!
E segue na viagem, rodando quilômetro após quilômetro, mantendo-se firme na estrada, preso entre as fileiras de postes de fiação elétrica que se repetem, repetem e repetem, cavando cada vez mais fundo naquele mecanismo que, por ora, se apresentava como uma tarde de domingo.
Para tentar exorcizar de vez a imagem do mochileiro, aquele zumbido chato no fundo de si, torna a censurar:
- É cada um!
E cantarola o refrão de uma das músicas do rádio, fazendo força para achar o sentido.