Doses de vinho
Estava entregue ao desalento. Pobre Ayrés, teve uma visão equivocada de novo. Imaginou que fosse necessária a presença da massa humana, pois sempre lhe disseram que a vida não ocorreria na dimensão individual. A vida é um todo integrado.
Ao chegar do trabalho, deparou-se com uma cena já conhecida: seu cachorro inerte. Havia esquecido de alimentá-lo, falta gravíssima. Desta vez, acendeu o cigarro no quintal mesmo. Sem hesitar sentou-se no chão, ao lado de seu animal. Por motivos de sanidade que considerava ter, não quis estabelecer diálogo com seu animal, mas fitou naquela forma de vida, admirando-a.
O primeiro cigarro acabou e Ayrés se dirigiu à cozinha. Voltou e e sentou no mesmo lugar. Ofereceu-lhe um gole. Ingênuo, ele bebeu. Havia apreciado aquele sabor distinto ao seu paladar. Ayrés acendeu outro cigarro.
O vinho parecia estar ótimo e tão somente alguns minutos foram suficientes para encerrar o conteúdo da botelha.
Mercês, vizinha antiga, passava pela calçada e como o portão permitia visão ao lado de dentro, quedou-se perplexa e exclamou:
- Ayrés, Ayrés! - Gritava com grande espanto. Ninguém atendeu, inclusive o cão. Ambos estavam bem, dormiam.
Quando o serviço de saúde chegou, nada de excepcional fora constatado, tudo estava bem, o coração pulsava.
Ao despertar-se, Ayrés lhes contou o ocorrido. O cachorro latia de forma retumbante.
A vizinhança inteira riu.