Sr. Carteiro

Tem uma moça em específico que me chama a atenção quando as correspondências vou entregar. Ah! É uma moça doce, porém melancólica! Uma jovem, que sempre está sozinha em casa. Antes mesmo dela mencionar o seu marido que sempre está fora de casa à trabalho, a vizinha Cida fofoqueira já fez questão de me avisar:

- A senhorita Alicia é casada com um homem mais velho, mas ele demora meses para voltar para casa. É um homem extremamente ocupado com o trabalho, enquanto Alícia é a dona de casa. Pobrezinha! Alícia é uma senhorita triste. Já faz tempo que tenta dar ao Sr. um filho, mas seu ventre não contribui para isso. Uma pena! A moça leva tanto jeito com os meninos.

Todas as quartas entrego na casa da Srta. Alícia as correspondências. Ela sempre atende a porta em alguns segundos, como se tivesse passado a tarde inteira de pé ao seu lado. Sempre bonita e bem vestida, como se fosse uma adolescente indo ao encontro com o seu namorado.

Nos saudamos, com um sorriso. E ela, gen-tilmente, pergunta para mim:

- Há alguma carta vinda do meu marido?

Às vezes, ela recebe uma ao mês. Não são duas, muito menos três. Em cada uma delas, ela fica tão animada que nem espera que eu possa sair. Abre o envelope, e rapidamente seu sorriso começa a se esvair. Não há nada para suprir sua carência afetiva, só há dinheiro para pagar as contas. O suficiente para que ela possa resolver as coisas, sem precisar sair.

Sempre que vou entregar as correspondências, a Srta. está ouvindo músicas na rádio. Consigo ouvir da porta de entrada, e às vezes está tão alto que tenho que chamá-la mais de uma vez para que ela possa me ouvir. Eu nunca fico nervoso, pois sei que é a forma de lidar. Com o silêncio enssurdecedor, e a solidão de não ter quem amar. Nem outro lugar para ir.

Um dia, cheguei na porta da Srta. Alícia e pude ouvir a música Mr. Postman na voz da Karen Carpenter. Naquele dia, ela carregava o sorriso mais bonito que já vi na vida. Ela estava tão contente, que não pude deixar de perguntar e elogiar:

- Alícia! Hoje a Srta está tão feliz e bonita. O que há?

Ela, contente com o elogio não hesitou em explicar:

- Hoje é um dia especial! Eu e meu marido fazemos bodas de madeira! Não há como ele ter esquecido do nosso dia e de mim, então tenho certeza que ele me mandou uma carta!

Eu pude me alegrar com a felicidade de Alícia e sorrir, esperando que dentro do envelope tivesse uma carta romântica para alimentar o seu sorrir.

Alícia abriu o Envelope, e lá havia mais do que dinheiro. Havia uma carta de amor! O olhar de Alícia até brilhou.

Contente com a felicidade da jovem solitária que estava ali, abri espaço para que

ela pudesse ler a carta. Desejei um ótimo dia, e me despedi.

Na semana seguinte, fui entregar as correspondências para Alícia. A chamei, e estranhamente ela demorou minutos para aparecer na porta. Ela estava mal vestida, sem maquiagem, e parecia não dormir direito e chorar a dias. A voz estava falhando, e logo que cheguei pude ver as lágrimas no seu entristecido olhar. Não perguntei o que aconteceu, já que eu era somente o carteiro, e não um amigo. Mas, passei na casa da Dona Cida na esperança de saber, já que ela sabia tudo da vida de todos que estavam ali.

Cumprimentei a Cida, e antes de perguntar escutei ela falando da filha que já não mais a visita com a netinha dela. Tristemente, a velhinha desabafava sobre a sua falta.

Quando a Cida finalmente parou de falar, pude perguntar:

- O que aconteceu com a Alícia na última semana? sua tristeza está a me preocupar.

Cida, sem jeito contou a história:

- 9Pobrezinha! O marido a abandonou por uma moça que trabalha com ele. Não deixou nada além da casa com os seus móveis, e uma quantia por mês até que ela possa se firmar em um trabalho. Ela está muito triste, pois a moça é muito sozinha. Nunca ouvi falar dos seus pais, e não tem amigos de companhia. A única coisa que ela tinha era a ausência do marido. Que não duvido que tenha a traído, enquanto ela esperava as suas cartas, em casa sozinha. Ah, os homens! acham que fazem muito em dar algo material a uma mulher. Quando nós só queremos companhia.

Pude ter, mais uma vez, empatia por Alícia. Me despedi da Senhora Cida com um sorriso, e corri para terminar o meu turno. Naquele dia, eu tinha uma ideia para alegrar a senhorita.

Busquei meu filho de 3 anos na creche. A mãe dele nos abandonou logo depois de dar a luz, ela disse que queria algo maior da vida. Voltando para casa ele feliz me contou do dia. Contou da tia, que era uma jovem bondosa e apaixonada pelas criancinhas.

Chegando em casa, brinquei com ele, preparei a janta, e o coloquei para dormir. Depois disso, comecei a escrever uma carta. Uma carta de amor, para alegrar o dia da belíssima Alícia na semana que estava por vir.

E a semana se passou! Já era hora de passar na casa da Alícia. Chamei por ela, e ela novamente demorou minutos para aparecer. Ainda desarrumada e cansada de desperdiçar suas lágrimas. Pude então, entregar para ela um envelope, no qual decorei com um adesivo de coração. Ela olhou para ele, depois olhou para mim, desconfiada. Então perguntou:

- Mas, senhor, quem me escreveu esta carta de amor?

Eu sorri, e respondi:

- Ah, isto você saberá quando abrir! Primeiro, deixe-me sair. Eu tenho que ir!

Então, por aquela semana, eu fugi.

Na quarta seguinte, fui na casa da Alícia. Chamei por ela, e em poucos segundos ela abriu a porta. Estava maquiada, arrumada,

e com um sorriso magnífico em seu rosto. Sem graça, nos saudamos. E Alicía então, depois de receber as correspondências, me chamou para sair.

Claro, eu aceitei! e foi naquele momento que iniciou-se o meu romance com minha adorada esposa Alícia, há exatos 20 anos atrás.

Luci Belladonna
Enviado por Luci Belladonna em 21/03/2023
Código do texto: T7745698
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