O MINEIRO APAIXONADO

Era um pouco mais das seis horas quando o celular tocou. Era o mineiro.

-Alô, doutor, como vai?

- Quem está falando? Não reconheci a voz.

- É o Mineiro!

- Mineiro, que diabo de mineiro é esse ? Pensei.

Então ele deu a chave mágica, para abrir a porta que levava ao passado:

- O Mineiro da Serra Pelada.

- Ah !

Pronto, estava feita a conexão entre o passado e o presente.

- O senhor pode me receber em seu escritório, a que hora?

- Qualquer hora, mas você sabe o endereço?

- Sim, depois eu passo aí.

Desligou. Depois fui tentando recompor a história que ele havia-me contado, durante nossa convivência no período em que estive bancando a exploração de uma área de garimpo naquele lugar.

Ele era uma figura singular, diferente e às vezes intrigante. Parecia simplório, no entanto certas vezes dizia coisas que geralmente algumas pessoas não dizem, parecia esperto, mas às vezes fazia coisas que outras pessoas também não fazem.

Eu o conheci quando, num dia, visitei o acampamento de outro tocador de barranco ( aquele que banca as despesas ).

Em virtude de negócios próprios do garimpo, ele em alguns dias estava morando no nosso barraco e fazendo parte do pessoal que trabalhava comigo.

A maioria dos trabalhadores era arredia, viviam em seu canto, deitados em suas redes. Ele, no entanto, sem ser atrevido, em pouco tempo havia criado um elo de amizade e sempre vinha contar seus “ causos” ou suas desventuras amorosas. E, é justamente sobre um desses, que agora vou contar.

Quase sempre, nos fins de semana, os peões saíam e iam até a cidade mais próxima, onde procuravam, segundo eles, “matar a saudade”.

O mineiro, no entanto, quase não se misturava com os demais peões e preferia ir até Marabá, onde pretendia arrumar uma namorada, não apenas uma prostituta que pudesse satisfaê-lo por instantes. Então ele viajou.

Quinze dias depois ele voltou cabisbaixo, triste e de certa forma parecia um ser humano derrotado.

Apesar dos insistentes apelos e pedidos para que contasse o acontecido, ele se furtava a isso, dizia que preferia ficar calado.

Numa quinta-feira, ele entrou no quarto onde eu dormia e com cerimônia e acanhamento, foi dizendo:

- Doutor, eu posso me sentar? Preciso lhe contar o que aconteceu.

- Claro, sente-se e fique à vontade.

Enquanto eu me balançava na rede, ele começou sua história de amor.

“Sabe, doutor; naquele dia que saí daqui, eu precisava visitar minha mãe, por isso resolvi viajar pra Minas Gerais. No primeiro dia que cheguei lá, saí à noite e fui até uma boate, queria namorar um pouco. Eu tava sentado sozinho, quando uma loira se aproximou de mim e perguntou se ela podia me fazer companhia. Quando eu vi aquele avião, tentando me dar bola, nem retruquei e permiti. Depois de algum tempo, fui me insinuando e logo já estávamos dançando e nos beijando e eu lhe acariciava os seios no que ela aceitava, embora fingisse que não queria”.

Parou um pouco o relato, baixou a cabeça, parecia querer deixar de falar sobre o assunto, mas eu insisti:

- E aí, o que aconteceu depois? Continue.

Ele coçou a cabeça, olhou para os lados, como se procurasse alguma coisa que só existia em sua imaginação, pigarreou e continuou:

“Bem, como eu estava dizendo, depois dos beijos e amassos que eu dei, perguntei se ela queria sair comigo, para um local onde pudessemos ficar a sós e de imediato disse que sim.”

Parou novamente, pareceu querer recuar, mas insisti:

- Continue, está ficando quente a sua história, afinal se ela aceitou qual o problema?

Coçou novamente a cabeça, passou as mãos pelo rosto, então disse:

- Tá bem, vou contar o resto, de nada adianta eu esconder mesmo né?

E recomeçou o triste relato.

“Bem, saímos da boate, eu havia colocado as mãos em sua cintura, as pessoas que passavam por mim, olhavam como se sentissem inveja de mim. Eu, um matuto, saindo com um avião daqueles. Era assim que eu pensava”

“Pegamos um taxi e fomos a um motel que ficava ali perto e pedi ao motorista que voltasse para me buscar somente depois de 3 horas. Eu tinha que aproveitar aquela oportunidade com aquela gata,queria ficar muito tempo com ela. Me despi e me joguei sobre aquela cama grande e redonda, já pensando naquela noite de amor. Ela foi ao banheiro fazer xixi. Pensando em lhe fazer uma surpresa, ao ouvir o barulho da urina, fui bem devagarzinho tentando lhe surpreender. Quando entrei no banheiro, ela estava de pé, urinando e segurando o instrumento. Ao ver aquilo, senti um calafrio e o nojo veio de imediato. Ele, que já não era mais ela, disse:”

“ Qual o problema, vá dizer que não sabia?”

- É claro que eu não sabia, por isso pedi a conta e saí dali sozinho e ainda tive que andar a pé até minha casa.O motorista de táxi não estava esperando, afinal eu havia solicitado três horas de espera para o seu retorno.

Depois que ele acabou de contar sua triste história, eu sorri com certo grau de maldade e perguntei-lhe:

- E aí, mineiro, ela beijava bem?

- Puxa doutor, não judia de mim, não.

Esse era o mineiro, sujeito simplório que se apaixonou por um travesti e que ainda não havia esquecido o romance que tivera. O lado curioso de tudo era a coragem dele em contar sua desventura.

Agora é só esperá-lo chegar ao escritório, para ver que história ele me vem trazer desta vez. Espero que não seja outra igual a esta.

Acho que não, afinal já faz mais de vinte anos do ocorrido e ele deve estar mais esperto e não apenas um matuto apaixonado,

11-12-07-VEM

Vanderleis Maia
Enviado por Vanderleis Maia em 11/12/2007
Reeditado em 07/10/2010
Código do texto: T774003