Histórias que gosto de contar – Dançando numa tarde de verão
Gilberto Carvalho Pereira – Fortaleza, CE, 14 de março 2023
Tardinha já escurecendo, a noite se pronunciava divertida, só o calor do verão atrapalharia o divertimento da garotada. Era mais uma matinê, sempre realizada nas tardes de domingo, naquele clube da orla marítima. O salão de festa era amplo, guarnecido por paredes formando uma série de arcos contíguos, sustentados por colunas, permitindo a entrada abundante de correntes de ar vindas do oceano, à sua frente. Era verão, o calor estava “de lascar”, com média diária de 32ºC, naquele ano. Mesmo assim, ninguém se importava com isso, o lema era divertir-se. Juventude sadia, por se tratar de acontecimento corriqueiro para eles, quase todos se conheciam. Bem-vestidos, um verdadeiro desfile de moda. Garotas e rapazes ostentando fisionomia tranquila, como querendo dizer que estavam satisfeitos com a vida.
As matinês iniciavam sempre, às 17 horas terminando às 22 horas. Ivanildo, seu saxofone e banda era quem comandava a dança, tocando as músicas Detalhes, A noite de meu bem, Ronda, Love Is All, Perhaps Love, e outras igualmente calmas. Lá para as tantas, tinha início as mais quentes, quando a garotada esbanjava energia no centro do salão, demonstrando suas habilidades na dança. Um espetáculo para deixar de boca aberta àqueles que não sabiam dançar. Não havia coreografia, dançavam agarradinhos.
Naquele dia, dava entrada no clube, pela primeira vez, a garota Gislene, menina formosa, que acabara de completar dezesseis anos de idade, quando recebera autorização dos pais para frequentar bailes noturnos. Acompanhada por quatro irmãos mais velhos, eles marombeiros, fortes, musculatura bem definida, praticantes das artes marciais, procuraram uma mesa nas cercanias do salão, onde era possível desfrutar de comodidade e ver quem estava dançando. Estrategicamente acomodada, a estreante naquele meio, esperava, ansiosamente, um garoto que a convidasse para dançar. Os quatro irmãos, para proteger a irmã, fizeram um trato. Enquanto dois dançavam, os outros dois estariam vigiando a irmã, recomendação do pai, coronel do Exército Brasileiro.
A presença dos irmãos parecia assustar os dançarinos, que olhavam para aquela garota linda e faceira, mas lhes faltavam coragem para se aproximar. Chateada, até aquela hora não tinha dançado nenhuma vez, a menina pediu aos irmãos que se afastassem um pouco, com isso permitiria que alguém se aproximasse. Acatando a sugestão, os irmãos se afastaram, deixando o campo livre para que algum pretendente viesse tirar a irmã para dançar. Afinal, era a primeira vez dela, para isso tomara aulas de dança, aprimorando-se naquilo que mais gostava de fazer. Queria causar!
O calor reinante no salão, vinha deixando alguns rapazes suados. Gislene sempre virava seu rosto quando percebia que um rapaz nessas condições, vinha em sua direção, fazendo-o dar meia-volta. E assim, foi um par de horas nessa agonia. Foi quando um descabelado, cara de alucinado, bastante suado, conseguiu driblar a vigilância dos irmãos da garota e, ela mesma, descuidando-se momentaneamente, permitiu que um rapaz, aparecesse à frente de Gislene, deixando-a completamente desprotegida, sem condições de uma reação mais contundente.
Depressa, o garoto, com ousadia, aproximou-se da moça, sussurrando ao seu ouvido:
─ Vamos dançar, minha linda?
─ Não gosto de gente suada, causa-me náusea, respondeu ela. Deixe-me em paz, você fede muito!
Ele insistiu:
─ O seu cheiro abafará o meu, ninguém até agora notou.
─ Estou tirada, foi a resposta arrogante que deu ao insistente.
─ Com quantos pintos? Lugar de galinha é no galinheiro.
Os quatro irmãos, que até aquela hora mantiveram-se distante da irmã, como ela própria pedira, indignados com a atitude e suas ofensas, voaram sobre o importunador, descendo o cacete no marginal. A festa virou uma bagunça. Outros rapazes foram em defesa do descabelado, sem mesmo saber o motivo da confusão. Duas jovens pegaram na mão da debutante em matinês e a levaram para o toilette, evitando, assim, que fosse machucada. Era a primeira vez que isso acontecia naquele elegante clube da cidade.
A preocupação de Gislene era saber como estavam os irmãos. Sabia que a causadora, indiretamente, daquela confusão teria sido ela. Não deveria se expor, era a primeira vez que frequentava aquele local, não conhecia ninguém. Com os ânimos serenados, os irmãos procuraram a irmã, encontrando-a em companhia de duas amigas. Pediram desculpas, e partiram. Já em casa, combinaram que o pai não poderia saber do ocorrido no clube.