Os bifes

Cidade do interior. É comum pessoas de classes sociais distintas frequentarem os mesmos locais comercias. Porém o tratamento com o cliente também não deixa de ser distinto.

Na intenção de comprar um marmitex, entro no único restaurante minimamente decente deste município. O que seria um prazer para qualquer pobre de direita, torna-se algo desagradável para mim: o Empresário mais bem-sucedido da cidade está ao balcão de pedidos, e eu fico ao seu lado, fazer o quê? Sem puxar papo, muito menos o saco, faço o meu pedido. Bife de contrafilé acebolado, rocambole de carne e chuchu ao molho branco são os acompanhamentos do tradicional arroz com feijão. O Empresário consulta o cardápio e exige que um acompanhamento, o chuchu, seja excluído do seu almoço. E ordena, em voz alta, para que caprichem no bife! O dono do restaurante acata a ordem e ainda sorri feito um bocó, fazendo de tudo para agradar o empreendedor.

As duas comandas vão à cozinha. Espero em silêncio. O Empresário, matando o tempo, distribui cantadas baratas a uma das atendentes, que mesmo constrangida, sorri graciosamente.

Logo nossos pedidos chegam. R$ 39,90. A opção de pagamento com cartão está temporariamente indisponível. Pago com duas notas de 20. O Empresário faz o mesmo. O caixa está sem troco. Aceito duas balas, pego meu marmitex e me dirijo à saída. Ele permanece no restaurante, esperando que alguém tire do cu os seus preciosos 10 centavos.

Em casa e faminto, sento-me à mesa para almoçar. Ao abrir a marmita, tenho uma gratíssima surpresa: há um amontanhado de bifes. Um, dois, três… cinco! Com certeza fiquei com o pedido do Empresário, caiu em minhas mãos por engano. Que sorte a minha! Bifes, muitos bifes. E rocambole de carne, uma fatia generosa, digamos incomum. Nada de chuchu ao molho branco, dane-se, não faz falta. Imagino a cara de bunda do Empresário nesse momento. Kkkk, bem feito.

Degusto a comida. O tempero, como sempre, não é lá grandes coisas, porém os bifes estão macios e suculentos, a capa de gordura na espessura milimetricamente perfeita. Uma delícia!

Estou quase terminando. Hum, o feijão está cremoso, um pouco insosso, é verdade… Mas o que é isso na minha boca…??? Ah, não! Urgh!!! Porcaria… Encontro um fio de cabelo em meio à comida: longo, negro e sedoso. Alguma cozinheira vacilou com a touca. Meu estômago revira, creio que vou vomitar. Corro ao banheiro, ajoelho-me diante do vaso sanitário e vomito todo o almoço. Por essa eu não esperava.

E assim termino: curvado diante do trono, com a cara na merda, sendo castigado pelo azar.

A sorte trabalha mesmo em prol do capitalismo.

Renato A
Enviado por Renato A em 09/03/2023
Reeditado em 09/03/2023
Código do texto: T7736364
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