Diversão familiar
A tarde de sábado estava chegando ao fim e Sam começou a sentir o desassossego habitual; para contrabalançar o efeito, acendeu um cigarro. Shirley, a esposa, estava tomando banho depois de arrumar a cozinha, e ele ficara de olho em Júnior, o filho do casal. O garoto de quatro anos, livre dos aborrecimentos dos adultos, brincava com seus blocos coloridos de madeira sobre o carpete gasto da sala de estar. A porta do banheiro abriu-se e Shirley saiu de lá vestindo um roupão velho cor-de-rosa, a toalha amarrada na cabeça como um turbante.
- Então... você vai mesmo? - Indagou Sam, batendo com o cigarro no cinzeiro.
- Vou - redarguiu Shirley, em tom decidido. - E você vai me deixar lá.
Sam soltou uma baforada e encarou a mulher, antes de comentar em tom casual:
- Você sabe, sábado é a minha noite de tomar umas brejas... acho que eu mereço, né? Depois de trabalhar na siderúrgica a semana toda...
Shirley sorriu.
- Claro que merece, Sam; pode tomar as suas brejas sossegadas, desde que não saia de casa. Não ia ficar bem levar o Júnior para o bar, não é?
Sam deu uma tragada no cigarro.
- Não, eu não preciso do bar, só das cervejas. Só que não me parece justo...
Shirley colocou as mãos nos quadris e o encarou daquele jeito curioso que só ela sabia fazer, a cabeça inclinada como um pássaro. Um pássaro que viu uma minhoca atravessando o pasto, pensou ele.
- O que não lhe parece justo, Sam? Cuidar do Júnior algumas horas de uma noite por semana, enquanto eu vou ao cinema? Não acha que também tenho algum direito à diversão, depois de passar a semana inteira cuidando da casa? Ou acha a minha rotina menos cansativa do que a sua?
Sam ergueu as mãos como quem se rende. Depois, colocou o cigarro na borda do cinzeiro.
- Ei, calma! Você tem todo o direito de se distrair, não estou negando isso. Mas me pergunto se não haveria um modo de fazermos isso juntos.
Aparentemente mais calma, Shirley tirou as mãos da cintura.
- Claro que há. Você poderia vir comigo ao cinema.
E erguendo o indicador da mão direita.
- Isto se você gostasse de filmes e se tivéssemos alguém para cuidar do Júnior.
As respostas, bem o sabia Sam, eram não e não.
* * *
No sábado seguinte, Shirley foi surpreendida quando o marido informou que iria acompanhá-la ao cinema.
- Mas eu escolho o filme - declarou com uma piscadela.
- Você chamou alguém pra cuidar do Júnior? - Questionou Shirley intrigada.
- Não. Ele vai com a gente - afirmou Sam.
- Mas ele só tem quatro anos, provavelmente vai se assustar com a sala escura - ponderou Shirley.
- Não vamos num cinema qualquer... abriram um drive-in na saída da cidade - informou Sam sorridente. - Vocês podem sentar na frente e assistir o filme, enquanto eu fico no banco de trás e tomo minhas brejas.
Shirley teve que reconhecer que era um bom acerto, já que atendia a todas as partes interessadas. E daí por diante, durante um bom número de noites de sábado, a família se dirigia ao drive-in e estacionava a meio caminho da tela; depois de prender o alto-falante na janela dianteira do carro, Sam se dirigia ao banco de trás onde um balde de gelo com três cervejas o aguardava.
E ali ele ficava, confortavelmente reclinado, enquanto imagens em preto e branco bruxuleavam na tela diante deles. Havia uma grande possibilidade de que Shirley já houvesse assistido àqueles filmes, já que dificilmente um drive-in gastaria dinheiro exibindo um lançamento, mas ela cumpriu sua parte no acordo e não reclamou durante vários meses.
Isto até um dia em que, ao chegar em casa, Sam viu-se diante de um recorte de jornal:
- Agora que lançaram a TV em cores, o preço das em preto e branco está caindo - afirmou Shirley. - Aqueles filmes velhos que você me leva para ver no drive-in, nós vamos poder ver em casa mesmo, sem precisar gastar com gasolina ou pipoca.
Esse, afinal de contas, era um bom argumento, teve que admitir Sam, antes de pegar o recorte com relutância. E, pelo que ele pôde constatar com alívio, a loja até mesmo oferecia pagamento parcelado.
Os dias do drive-in como diversão familiar, estavam contados.
- [07-03-2022]