O menino que expulsou o fantasma
Um quase nada, sim senhor, foi assim, sim. Um quase nada e o rebuliço começou. Não sei dizer como se deu, só sei de ouvir falar, quer dizer, ver, não vi nada, escutar, ah, sim, escutei muito. Em cada parada, cada estação, outro não era o assunto senão esse. Uns diziam que a causa de tudo tinha sido o fato de, por molecagem, o menino tinta colado cuspe na cadeira do Dr. delegado. Mas parece que isso não é verdade verdadeira; dr. delegado, homem por demais que severo e bravo, com os meninos - veja, se foi verdade que colou cuspe na cadeira -, o dr. delegado nem que ralhou, nem que mandou chamar pai , mãe ou qualquer outra pessoa para responder pro dr. delegado o que suscitava. Então, não parece verdade verdadeira, isso não. Também se falava, sem prova nenhuma, que o menino, mais outros quatro, quiseram fazer graça com o Padre Josias. Colaram na bata do padre uma reza de crença dos negros. Padre Josias, pelo que se diz, quase teve um negócio feio; foi ajudado na mesma hora pelo farmacêutico Aguinaldo que, quando era criança, dizia que queria ser padre, igualzinho ao padre Marivaldo, anterior ao padre Josias, mas aí se apaixonou e adeus batina. Foi Aguinaldo, o farmacêutico, que salvou o padre. Depois desse dia Aguinaldo, o que queria ser padre e virou farmacêutico, ficou conhecido como o salvador de padres.
O negocio mesmo. O negócio mais que falado, e de nada provado, era que o menino, filho de Zefa, o menino, sozinho, e não com mais quatro, sim senhor, sozinho mesmo, assim, sem ninguém junto, o menino, inté que quiseram ajudar, mas o menino negou, foi que ele, mais que corajoso que muita gente grande, com barba na cara, na hora que precisou, na hora tinindo de precisão, de necessidade mais que precisa de ajuda, não foi a gente grande ajudar, pois que sim, foi não, tudinho as pessoas grande que meio que saíram de fininho, assim, quase sem querer ser olhada, não, melhor era não ser visto, ninguém que dispôs, foi sim, que não. Que não mesmo. Inté Gerônimo, homem que depois do dr. delegado, era o mais que demais de brabo. Corria às tantas, de tantas histórias, inté que nunca se provou, mas corria às tantas, que, não se sabe como, nem por quê, passados já bons anos, anos por demais guardado na memória, inté Casimiro, pai do dr. delegado, homem já passado dos 90, bem, corria às tantas, que certa vez Gerônimo, sozinho, sem arma de faca ou de tiro, no braço mesmo, venceu um lobo que teimava atacar as galinhas e vacas da região. Nunca se provou, mas, inte seu Casemiro, homem já passado dos 90, pai do dr. delegado, inté ele, por mais que demais vivido, inté ele, confirma que a história do Gerônimo é por demais conhecida, nunca se provou, mas é por muito que demais conhecida. Pois, sim, inté, ele, Gerônimo, homem que desfrutava de fama famosa por toda gente, inté ele, que foi saindo saindo de fininho. Saiu, assim, de fininho, no silêncio silencioso do homem que visita casa alheia e não pode ser visto. Saiu assim, bem no calmo passo, mais calmo que o sono de Marinalva, que dormia no benzido sono do padre Josias.
O negócio mesmo, sem querer saber mas já sabendo, é que o menino, sozinho, corajosso mais que muita gente grande, mais corajoso que homem metido a valente, homem que enfrenta lobo - isso é o que falam, mas não provam -, o negócio mesmo, é
que o menino foi até a casa Verde. A casa Verde, que era azul, mas ficou conhecida por casa Verde em decorrência de uma história, segundo a professora Joana, de uma famoso escritor que escreveu uma história onde um médico cientista trancou quase toda a cidade numa Casa Verde, um hospício mesmo, para provar sua teoria de que todos estavam loucos. A casa Verde, que era azul, onde o menino resolveu, sozinho, porque gente grande e valentona saiu de fininho, o menino foi ter na casa Verde porque disseram que lá pela noite toda se ouviu vozes, vozes que não eram de gente.
O negócio mesmo, sem nenhum acréscimo, sem nada que aumente ou deminue o que se deu, sem falar da benzedura do padre, das oferendas das negras do terreiro vizinho, nada, nada de nadinha, podia fazer alguém ir até a casa e ver o que era. Valentão que antes se fazia conhecido, ele mesmo, famoso por famosa valentia, nunca que se provou, ele mesmo, igual outras gente grande, assim, como quem não quer ser olhada, sim, muita gente metida a braventa, gente que em todas as rodas, inté mesmo na igreja, depois das missa, junto ao padre Josias, gente que se punha a cantarolar suas aventuras guerreiras, igual, ao valentão Gerônimo, saíram de fininho.
O negócio mesmo, sem um nada de acréscimo nem de decréscimo, foi que somente o menino, sozinho na sua coragem de menino, foi ter à casa Verde, que era azul. Ninguém que foi junto. Chegado lá, eis que o menino, na sua coragem de menino, sozinho, somente ele com ele, coragem de menino, entra. Não se assusta com o que vê, porém, menino buliçoso de invenção de inventar brincadeira, inté que foi acusado de colar cuspe na cadeira do dr. delegado, de pregar bilhete com reza de fé de negro, também nunca que se disse, porque nunca que se provou, também se falou que o menino, no dia que entrou na casa verde, que era azul, se falou, por se falar, porque nunca que se provou, mas naquele dia, o menino entrou e viu um fantasma. O menino que era corajoso mais que muita gente grande, não se assustou, bem o contrário, dizem porque nunca que se provou, o menino pôs o fantasma pra correr e nunca mais foi visto. O negócio mesmo é: o menino virou homem, casou, teve filhos. Mudou pra outra cidade. Sua fama de espantador de fantasma virou lenda. Inté tem uma estátua dele na cidade. Fato é, não há quem não saiba dessa história, que provar, nunca se provou, mas se provar, prova alguma coisa, provam que Dom Pedro ergueu a mão e deu seu grito salvador, provam, desafia Irineu, neto de Gerônimo, o valentão que enfrentou o lobo, prova que nunca se provou.