O baile de carnaval

Antônia trabalhou até as cinco da tarde nos secos e molhados. Vendeu muita serpentina e confete. Viu a alegria de muita gente que iria ao carnaval do clube. Invejou quem iria se divertir naqueles dias. No entanto, não teve coragem de pedir um adiantamento ao dono da bodega que era um homem de poucas palavras, sorumbático.

Chegou em casa cansada, e a prima foi logo entregando o balde e o esfregão. Teria que faxinar a casa, pois as primas iriam a folia no clube.

Enfim se entregou ao trabalho, esfregando e lustrando tudo. Foi ao espelho e com a flanela desceu e subiu várias vezes na tentativa de desembaçá-lo. Viu-se refletida, era a imagem de uma moça triste. Então lágrimas escorreram pelas faces, sentindo pena de si mesma. Quanta alegria estaria sendo negada a ela enquanto lá fora os foliões passavam felizes da vida.

Deixou-se cair sentada numa velha cadeira e sem que tivesse qualquer esperança, adormeceu.

Acordou meia hora depois com alguém que devia ter se esbarrado na cadeira da cozinha, pois ouviu um barulho que a deixou de coração acelerado. Não havia ninguém na casa. Pé ante pé foi até a porta do quarto, colocou a cabeça na abertura e não conseguiu avistar ninguém.

Supôs que poderia ser o gato da vizinha que pulou a janela e derrubou a cadeira. Mas logo ouviu uma voz feminina chamando pelo nome de sua tia.

Abriu novamente a porta e viu ali, parada diante de si dona Candoca a vizinha da frente. Uma senhorinha idosa muito gentil.

Antônia tentou sorrir, mas a tristeza era muito grande. Dona Candoca fora levar um pedaço de bolo para a tia de Antônia. Notando o semblante da moça, a senhora perguntou o que se passava. Então contou que não iria ao baile de Carnaval. A senhorinha conhecedora dos parcos recursos financeiros de Antônia se sensibilizou com a tristeza desta.

Mas como tinha um coração enorme propôs ajudá-la. Ofereceu um empréstimo para que comprasse a entrada. Mas a moça continuou triste já que também não tinha uma fantasia.

Dona Candoca disse que tinha uma solução. Foi até a casa dela e voltou com uma linda fantasia de Colombina que pertencera a uma parenta. Antônia mal se conteve de tanta emoção e foi logo se transformando. O espelho agora refletia uma linda Colombina, mas os pés estavam descalços. E a tristeza voltou a ensombrar seu rosto.

A senhorinha atravessou novamente a rua e em instantes voltou com um par de sapatos. Antônia nunca vira algo tão lindo. Calçou-os, mas ficaram apertados. Os sapatos da filha de dona Candoca, que os usara em seu aniversário de vinte e dois anos, eram de número trinta e seis e Antônia tinha pés trinta e nove.

A senhora não tinha como arranjar outro sapato. Mas pediu que a moça se aguentasse nesses mesmos.

E lá se foi a moça feliz da vida para o baile de carnaval com os dedos apertados no lindo sapato.

No baile ficou fascinada com tanta beleza. Passou pelas primas que não a reconheceram, já que estava escondida atrás da máscara. Riu e se lançou ao salão se divertindo muito, até que se esbarrou num lindo querubim. Os dois ficaram mudos alguns instantes de corações descompassados. Foram juntos para o meio do salão onde foram cobertos pela serpentina e confete. Antônia não tinha hora para voltar, desejava muito permanecer no salão, mas em pouco tempo seus pés doíam e latejavam, não suportava mais os sapatos. E se desvencilhando do querubim correu escada abaixo e tirou os sapatos sentindo imenso alívio nos pés doídos. O querubim tentou alcançá-la mas em vão. Encontrou um dos sapatos na escada e ficou maravilhado com a pequenez daquele pezinho.

O tempo passou e o rapaz que se vestira de querubim não esquecia o sorriso da Colombina. Teve uma ideia procuraria os pezinhos delicados pela cidade. Viu muitos pés mas nenhum que coubesse naqueles sapatos. Foi então que na rua de Antônia e dona Candoca viu os mais delicados pezinhos andando na calçada. Parou a moça e indagou se aqueles sapatos a pertenciam. Essa que se chateara com o sumiço do sapato, sorriu e pegou-os e foi logo colocando nos pés. Foi então que ocorreu um casamento, e Antônia foi convidada mas nunca suspeitou que aquele era o Querubim que ela tanto desejara reencontrar. No outro dia comemorou seus vinte e seis anos e ganhou um par de sapatos trinta e nove de dona Candoca.