O sumiço do doido
Era doido? Era doido mesmo, doido de doido mesmo, daqueles que nem sabem o nome. É pois sim. Pois que é sim, o homem, embriagado por demais que pudesse se aguentar, fugido de jacutinga terra distante que, igual De lá Mancha, fugido só, porque dês de noite passada resolveu evadir -se, pois sim que é, no raiar do dia clareando ainda, eis que não poupado, o homem mais que embriagado, capengando das pernas, fugiu. Fugiu, ninguém sabe, ninguém viu. Sumido se deu por saber toda gente que o sumido, famoso pelos excessos e tresloucadas manias, o sumido, escafedeu -se sem que alguém pudesse imaginar donde o jacutinga, outro nome dele conhecido, o sumido, ninguém sabe, ninguém viu, evadiu -se, sabe -se com qual artimanha, o tresloucado, beberrão por demais que mais conhecido, inté por fora da região, lá pelas bandas longínquas de destrás das montanhas, o beberrão, por de mais, e por muito tempo, conhecido pelos excessos, e pelas beberagens, o mandrião, que só ele, e nem mais ninguém, era por demais que demais conhecido, inté pelas mais longínquas bandas, então, o dia ainda em clareando, o sumiço do dito, por mais que demais conhecido, caiu como se um terremoto tivesse sacudido o chão. Não era, ao menos não era pra ser, que o diabo, quer dizer, o doido mais que doido conhecido por toda região, era para que o sumiço causasse tanto rebuliço. Não era, como disse o padre Josias, que o sumiço do jacutinga, tal qual o gato que mia por força do hábito, o doído dá sumiço sem motivo que seja. É do doido, a doideira, nada mais igual que 2 e 2 ser 4. E pois que assim o padre pareceu encerrar a especulação. Mas não. Não se cansou de falar do sumiço sumido do doído mais que doido. O fulano era tão doido que corria pela cidade e adjacências - palavra corriqueira na boca do escrivão Percival, ele próprio, como gostava de dizer, um amante das palavras cultas, numa terra árida de saber e rica no sofrer, - que não fazia muito tempo, o endoidado, num reboliço de metição a poeta, eis que, sem que se soubesse por que tamanha indiscrição, eis que, o mentecapto, como se um raio lhe atravessasse as ventas, se pôs a declarar, como se algum nobre escritor, ou seu espírito, vai se saber, se tivesse dele se apossado. Nunca se saberá, todavia, como diz o velho, bem velho, ditado, que quem duvida por duvidar, facilmente se converte ao santo, mas quem crê por hábito e garantia, não peca sem razão. E assim se benzia dona Benta, esposa de seu Bento, que na verdade era Raimundo, para alguns Mundinho, mas ele gostava de Bento porque achava que Benta e Bento formavam um belo par, o fato é, sem espanto para os mais jovens (que riam) e muita comoção, por parte dos mais velhos, eis que, sem eira nem beira, o doido solta " Dormia o oco do tempo, o Belo rei, sem agasalho e sem fraldas, porque, sem panos nobres, a nobreza, pobre nos modos, se mostra nua e em pelos. É pois senhores..." e fazia uma pausa quase solene e arrematava "urge, doravante, e sem demora, porque na lerdeza, saibam, senhores, não se chega a lugar nenhum..." e mais outra pausa, como se esperasse aplausos, que nunca vinham, e saia.
Assim cada dia era outro anunciado. Sem novidades, cada habitante, com suas manias e gostos, sem muita vontade de avançar para outro mais prometoso de felicidade, cada morador, a seu modo e vontade, vivia sem grandes desejos. Tudo igual. Tudo a caminhar a passos sem vontade de correr; vivia -se assim, mole mole, sem velocidade, nem grandes vôos. Um lento viver sem pressa de chegar, um só tempo; o tempo do próprio tempo. Era um dia dentro do outro, dentro do outro, até não ter mais fim.
E o doído? Oras bolas, sei eu donde foi o doido, falou com a plenos pulmões o Genivaldo, amigo do amigo do prefeito Zacarias, o doido sumiu, ninguém sabe, ninguém viu; e saiu numa gargalhada que muitos disseram ser de doido.