Oi

Hoje parece um dia comum. Não sei que horas são exatamente, pois não me ative a esse detalhe. Cá estou, sentada em uma recepção em busca de mais uma oportunidade – afinal, a vida merece uma segunda chance e também merece que sejam feitas coisas arriscadas, as quais permitem que seja possível refletir acerca de nosso caminho e sobre nossas próprias decisões.

Repentinamente, paro e penso: “é a vida que merece tudo isso ou sou eu que deveria merecer? Será que estou jogando para a vida um merecimento que é somente meu?” Enfim, só queria que esses pensamentos fugissem para algum lugar distante de mim por alguns minutos. Cabeça vazia e silêncio psíquico eram tudo o que gostaria nesse momento.

Fico relutando em pensar acerca de tudo o que ocorreu. No entanto, as linhas de minha mente teimam em embaraçar-se naquela situação que, impregnada em mim, faz com que não conseguisse dormir por dias a fio. Tudo isso me trouxe para cá, e cá estou – acho que já disse isso.

Pensar naquela situação é a única coisa que venho fazendo por todos os momentos de sabe-se lá quantas horas de todos os dias em que passo insone. Refletir sobre como tudo ocorreu, mergulhar em possibilidades que não ocorreram, numa rede infinita de “e se...”.

E se o se não existisse?

Mergulhada num momento qualquer de devaneio e introspecção, acontece o impensável – ou, pelo menos, o inesperado para esse momento de mim comigo mesma: em minha frente aparece um senhor, o qual aparenta ter uns sessenta e seis anos de idade cronológica, com um semblante muito tranquilo, de pernas passadas e com uma das mãos no queixo, parecendo imaginar o que fará quando sair daqui.

Alguns minutos se passaram. Entra outro senhor – este com a aparência um pouco mais velha. Ele está aflito, parecendo ter perdido algo muito importante.

Como que num sobressalto, sai uma criança de onde o segundo senhor estava e, com passos delicadamente lentos e compassados, parecendo nitidamente não acreditar no que houve, toma a mão desse senhor e diz quase que sussurrando:

— Não precisava tanta carreira lá na minha escola.

Nesse momento, sai do mesmo lugar uma segunda criança, a qual vai em direção do primeiro senhor (aquele que estava com a mão no queixo) e diz num tom um pouco menos calmo:

— Estou com muita fome!

Depois disso, vira o rosto para mim e, me olhando no fundo de meus olhos, diz:

— Oi.

O que posso fazer com isso? Um olhar nos olhos e um ditongo fechado a me tirar das linhas que me embaraçam. Um instante de alívio que me leva a outro lugar, fora de mim. Durante tal momento, nessa tarde ensolarada – mas um tanto nublada para um típico verão – pude perceber que, mesmo que sejamos pessoas idosas, sempre haverá situações em que crianças serão mais espertas que nós mesmos.

Também existirão outros momentos em que o desejo é somente o de ser criança mesmo, sem querer mais nada, além disso – somente o desejo latente de sentir o estômago roncar e, num movimento de paz e calmaria, pedir por comida.

Não é necessário muito para ser um idoso calmo com uma criança sendo criança e há muito em uma criança dizendo para um idoso não correr acelerado diante de uma vida que não para. Uma vida em que adultos sempre estão apressados, andando a passos largos e nunca parando para olhar.

Por trás de tudo isso – ou no meio desse rio sem margens – sempre existirá um eu, uma identidade que se desintegra na possibilidade de olhar com os olhos do outro e apenas sentir. Observar tudo com o olhar cristalino de uma criança que imagina, embebida numa ansiedade que aperta seu peito, todas as possibilidades de tipos de idosas que me tornarei.