Uma Tristeza Sem Fim

Adormeci com um beijo e despertei no dia seguinte com o barulho da chuva batendo no telhado. Era verão, e as roupas estendidas no varal estavam encharcadas; nem mesmo o local coberto fora capaz de protegê-las.

Cadeiras caídas no quintal, folhas varridas pelo vento. A cortina da janela da cozinha dançava sem parar e as janelas do quarto do meu filho batiam freneticamente, assustando-o.

Ele pediu para ficar no meu no quarto, minha esposa não deixou. Com uma chuva daquelas, se eu fosse da idade dele também pediria para os meus pais para dormir com eles, mas infelizmente era impossível. Mesmo com a mulher contrariada peguei o menino e o coloquei perto de mim e ali ele ficou.

Quando a chuva acalmou pude ver o estrago no outro lado do morro, tudo havia desabado. Eram casas em cima de casas, vidas perdidas, famílias destroçadas, uma tristeza sem fim. Fui sair de casa para tentar ajudar de alguma forma, entretanto era impossível. Vi me preso e sem saber o que fazer. Do outro lado do morro vi os bombeiros retirando o corpo de uma criança, vi também um rapaz aparentando ter a mesma idade que eu; ele chorava, e eu também chorei. Meu filho apareceu atrás de mim, de pijama e de chupeta na boca, ele olhava tudo sem entender e eu sem saber explicar simplesmente fiquei em silêncio.

Minha mulher saiu de dentro de casa, gritando apavorada. A rua onde a gente morava estava cheia d’agua, sorte a minha ter colocado algo para conter a água, mas não aguentaria por muito tempo.

Choveu uma semana sem parar. Chuva fraca, tempestade, raios e ventanias. No rádio de pilha só notícias ruins; pessoas desaparecidas, famílias desabrigadas e eu era uma delas, com tanta chuva a comporta que eu mesmo construí não aguentou e eu perdi tudo o que tinha dentro de casa.

Estávamos desabrigados. Junto da nós muita gente. Choveu mais alguns dias até estiar e o sol aparecer. Perdi amigos, muitos. Vi vizinhos gritando de desespero, vi pais e mães lamentando a morte de seus filhos e vi filhos lamentando a perda de seus pais.

Também vi esperança no rosto de uma criança, o meu filho, que sem entender a dimensão da situação empurrava contente o carrinho ganhado em uma doação. Então pude perceber que o jeito era tentar recomeçar de alguma forma; tinha sorte de ter sobrevivido, de ter minha esposa e meus filhos ainda ao meu lado, pois naquela escola onde nos servia de casa, era uma tristeza sem fim....

Fernando F Camargo
Enviado por Fernando F Camargo em 25/02/2023
Código do texto: T7727604
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