As Faces da Maldade

Bar sujo, lugar feio, calor e abafamento. O lugar era assim, onde dois homens de bermudas, camisas leves e tênis conversavam bebendo cerveja.

- Não vejo problema nenhum em dar uns tirinhos nele.

- Nem eu, mas o serviço tem que ser bem feito. Pode sobrar para nós.

- Sobrar como? Não vamos deixar nossos nomes grafitados no local.

- Mas o que não falta por aí é dedo-duro.

- Dedo-duro morre cedo.

- Carlinhos Fiapo foi assim. Falou o que não devia, tombaram ele.

- Só o Fiapo? Eu conheço muitos.

- Eu sei, cara. Estou dando um exemplo.

- Quem faz o serviço?

- Eu ou você. Podemos fazer juntos, se quiser.

- Vamos juntos. Eu te dou cobertura.

- E isto é pra quando?

- Vamos seguir o homem uns dias.

- Mas nós já conhecemos ele. Seguir para quê?

- A tal da Neuza pode desconfiar da gente.

- Aquela vagabunda? Quem acredita naquilo?

- Nós não acreditamos na maconheira, mas a tiragem pode acreditar.

- Polícia não acredita em gente daquele tipo.

- Sei não. Prefiro não arriscar. Vamos seguir o homem.

- Se Neuza desconfiar... Não estou gostando disto.

- Leva o dela também. Aquela vaca só sabe paquerar os grandes.

- Foda-se. Se entrar na história, morre também.

- Pode não ser simples como você pensa. Ela está com cartaz.

- Cartaz no meio de trouxas. Leva chumbo também, morre de graça.

- Não mato mulher. Dá azar.

- Dá azar deixar ela inteira, se desconfiar que fomos nós.

- Se tem medo de se dar mal, melhor não ir.

- Não é isso, mano. Já disse que fechar mulher dá azar.

- Azar nada. Deixa ela comigo.

- Eu sei que você não perdoa.

- Não mesmo. E ninguém vai dar importância a isto.

- Não vai mesmo. O safado é ruim. Não respeita nem criança.

- Está falando da Glorinha, a filha do Jerê?

- Ela é uma delas. Jeremias já estava doente quando soube.

- É, ele não podia fazer mais nada. Tava ruim mesmo.

- Glorinha mal tinha feito treze anos. Este sacana não vai continuar vivo.

- Depende de nós, mano. Merecer ficar, não merece mesmo.

- E se ele desconfia e passa a andar com mais gente?

- Andar com mais gente não adianta. Pegamos ele com arma longa.

- Vão dizer que é guerra do tráfico.

- Ou vingança de algum inimigo. Ele tem muitos.

- Não sei como um cara destes ainda tá vivo.

- Ele sempre deu sorte. E paga bem a moçada dele.

- Paga mesmo? Não vão cair em cima de quem apagou ele?

- Até pode. Mas não vão passar de alguns conhecidos.

- Medo de ser coisa dos homens? Os tiras tão matando adoidado.

- Vão se encolher direto. Procuram alguns malandros conhecidos, só.

- O negócio está parecendo fácil demais, cara.

- Não é isso. Ele é defunto barato mesmo.

- Não vai muito nessa não. Pode ser barato, mas ninguém pegou.

- Só porque ele tem fama de atirar com a esquerda bem?

- Principalmente. Aquele puto com duas armas na mão vai ser difícil.

- Já tentaram, parece. Ele percebeu, pegou antes.

- Eram principiantes. Com a fama que ele tem, as armas tremeram.

- Sabe bem do caso?

- Todos moradores antigos sabem. Matador não treme.

- Eu tremi com Russo. Confesso que tive muito medo.

- Mas medo a gente tem mesmo. E Russo era muito melhor que este.

- Acha mesmo, cara? Não desfaz não. O risco aumenta.

- Tá querendo correr, mano?

- Nem pense nisto.

- Quer virar herói, malandro?

- Nada. Quero tirar o adversário da reta, como você.

- Ele é adversário vagabundo. Obedece ordens.

- Não acho vagabundo não. Ele quer subir.

- Melhor para nós. Vão achar que foi olho grande demais.

- Nem tô aí para o que vão achar. Quero ver o homem morto.

- Está muito confiante, mano.

- Nada. Sei que risco existe. Não nasci ontem.

- Vamos fazer isto logo. Ele desconfia da gente?

- Sei não. Se desconfia, nunca deu para notar.

- Ele é malandro velho, mano. Engana bem.

- Precisa de ser muito malandro para disfarçar tanto. Não é artista.

Era artista. Os homens conversando não notaram quando um homem entrou no bar de subúrbio, acompanhado de dois outros. A mesa onde estavam sentados tinha muitas garrafas de cerveja. Os três atiraram muito, acertando em cheio os alvos. Caíram em poças de sangue. O tráfico e a proteção mútua entre bandidos é assim. Fazem de tudo, principalmente quando se sentem ameaçados.

Voaram cacos de garrafa para todos os lados, com as balas perdidas.