" O SEPARADOR DE LIMÕES "

O SEPARADOR DE LIMÕES

Acanhado em sua condição, sentava-se todos os dias na soleira da porta daquela loja. Bem cedo se instalava e ali naquela negra lápide de granito, com as pernas estendidas dispostas uma sobre a outra deixava a saca grande que continha todos os limões à sua direita e no degrau inferior as amarelas sacolinhas de rede.

De cabeça baixa ia separando os frutos por dúzia e colocando-os na embalagem. Seu olhar triste e rotineiro impressionava a quem passava, parecia ter-se despedido da vida. Com a cerviz pendendo para o chão caminhava a lentos passos por aquelas ruas que outrora lhe foram significativas. Experimentava agora o vazio deixado por aqueles que se foram. Não conhecia mais ninguém. Refém de uma dor, de uma angustia de alma que nada fazia sentido. Sentia-se muito só, derramado num passado que teimava em cobrá-lo do que não se lembrava mais. E, por que esses fantasmas tinham que atormentá-lo. Já pagara com a insepulta vida que levava todas as omissões que cometera. Tinha pedido perdão ao SENHOR inúmeras vezes. E, assim mesmo continuava sofrendo. Sem alivio, o repetir dos dias, das horas, do tempo marcadas pela clepsidra da amargura, pedia naquele momento um cuité de noz-vômica bem forte -libertando-o do cadoz dessa infeliz vivencia. Seduzido por tal perspectiva confessa:

Embarguei minha vida

Na entrega das ilusões

Fácil foi levar

Pelas mentiras que acreditei

Lindas arquiteturas vi

Pelos olhos dos outros

Míope então andei

Não sei em que portas bati

A da igreja não foi

A dos amigos também não

Não existem amigos

Sómente ruas

Que sobem e descem

Na carta da cidade

E, uma vez mais

Teimo em não admitir

Que meu tempo acabou

O sorriso quebrou

Naufragado pela dor

De alguém que nunca existiu

Arruinado por lembranças

Que o vulto do passado

No corredor da memória

História se fez

Deito-me agora para todo o sempre

Para nunca mais acordar

Adeus.

PAULO COSTA

Fevereiro/2007

paulo costa
Enviado por paulo costa em 10/12/2007
Código do texto: T772584
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