O Retrato

No porta-retratos dois jovens chamavam a atenção de quem se sentasse de frente para o aparador. Pareciam muito felizes e a beleza de ambos se sobressaiam aos demais retratos ao redor.

A moça usava uma maquiagem discreta, exibia dentes alvos e sorriso angelical. O rapaz tão belo quanto esta, tinha olhos amendoados e feições serenas.

Madalena, que observava atentamente o casal do retrato, também estampava um sorriso, mas nem tinha ideia que assim permanecia há instantes. Era um momento absorto em que esperava pela dona da casa. Era o ano de 1969. Foi gentilmente levada a sala pela cozinheira que atendera a porta. Madá como muitos a chamavam era vendedora de enciclopédias porta a porta.

Assim que dona Eulália, a dona da casa, entrou na sala, Madá se levantou, estendeu a mão e se apresentou. A senhora retribuiu o cumprimento convidando- a se sentar.

Madá a conquistou pelo modo agradável. Elogiou a casa com sinceridade e assim que ia mencionar a simpatia do casal do porta-retratos foi surpreendida pela entrada do rapaz do retrato. De olhos alerta encarou sem timidez o rapaz. E esse dirigiu-se a dona da casa sem que mostrasse modos polidos. Não a cumprimentou. Assim sendo a moça teve os olhos voltados para o retrato como se precisasse ter certeza se era a mesma pessoa.

O rapaz de modo irritado mostrou o colarinho da camisa que parecia muito bem passado, mas que segundo ele estava todo amarrotado. Com a discordância da dona da casa que afirmou ao filho que estava sim bem passado, ele saiu da sala embolando a camisa nas mãos e com a fisionomia mal-humorada.

A dona da casa voltou-se para Madá com o mesmo sorriso de antes e pediu desculpas pelo comportamento do filho. A moça não deixou transparecer o seu assombro. Pensava em como o retrato o deixava tão doce e carismático. Enfim foi logo mostrando o material e explicando o quanto era maravilhosa aquela coleção. Apresentou as qualidades do conteúdo assim como as características físicas como a encadernação, diagramação, capa dura. Teve a atenção e a concordância plena da mãe do rapaz. No entanto, a mulher se desculpou e foi dizendo que jamais vira tanta qualidade em um material enciclopédico, no entanto disse que não havia mais necessidade de possuir uma enciclopédia já que não tinha mais filhos em idade escolar. A moça, todavia, citou motivos para que todos tivessem uma boa enciclopédia em casa, não só os em idade escolar. Mas em meio a apresentação foi novamente interrompida, agora pela moça do retrato. Ficou sabendo que os dois eram irmãos porque a mãe a chamou de filha. E nos mesmos modos do irmão dirigiu-se a mãe sem cumprimentar a vendedora.

A mãe dessa vez tentou que a filha mostrasse a educação que lhe fora dada, mas em vão, a moça reclamava que não tinha uma roupa apresentável para uma festa. E que não podia destampar a travessa do almoço porque tinha feito as unhas. E que não havia ninguém que a ajudasse a se servir. A senhora pediu licença e foi até a copa ajudá-la. Enquanto isso Madá se levantou e foi até o aparador verificar de perto o retrato dos irmãos. Olhou sem acreditar no que via. Mas voltou para o assento antes que a agradável senhora retornasse.

Novamente a senhora se desculpou por não comprar a enciclopédia e disse que se ela vendesse perfumes, com certeza, faria uma compra. Madá se levantou, agradeceu a atenção, estendeu as mãos para se despedir e assim que chegou à porta voltou-se penalizada da situação da dona da casa. Abriu a bolsa e tirou um pequeno livreto que seria muito útil para os irmãos do retrato.

Manual de boas maneiras.