Histórias que gosto de contar – A República

Gilberto Carvalho Pereira – Fortaleza, CE, 14 de fevereiro de 2023

Oito rapazes alugaram uma casa, grande, para formar uma república. Não era de estudante, mas sim, de graduados. Todos já formados, uma salada de profissionais e uma salada de naturalidade: cearense, baiano, fluminense, mineiro, capixaba ou espírito-santense, paulista. Para cuidar desses rapazes neófitos, havia uma empregada doméstica que cozinhava para a turma toda, fazia os serviços corriqueiros de uma casa, lavava e passava as roupas de seus meninos, era assim como ela os tratava. Todos trabalhavam na mesma instituição federal, ganhavam bem, consequentemente, a empregada tinha um bom salário. De quebra ela mantinha na república, seus dois filhos menores, dos quais nunca revelara quem eram seus pais. Os pequenos, sob a supervisão da mãe, quando não estavam na escola, faziam pequenos serviços para os patrões.

Era um ambiente tranquilo, não havia discordância entre os “meninos”, todos em seus primeiros empregos. Estavam ali quase como aprendizes, recém graduados, cheios de teorias, a prática, aprenderiam com os profissionais já mais experientes e com mais tempo no batente. Todos vieram de cidades, de locais variados, tão logo o recebimento de seus respectivos diplomas. Comportavam-se seriamente no trabalho, em casa, como verdadeiros meninos. Brincavam, zoavam com a empregada, sem maltratá-la, faziam o mesmo com as crianças dela, eles não se importavam, apenas sorriam.

Alguns eram muito sérios, outros bastante gaiatos, pregavam peça nos colegas da casa e nos visitantes. Tinham os que eram chamados de agregados, exerciam suas atividades laborais em cidades afastadas da sede da Instituição, chegavam ao cair da noite da sexta-feira, retornando na segunda-feira, muito cedo. Esses eram os que mais sofriam o que hoje é conhecido como “bullying”. Havia o cantor Miguel Aceves Mejía (1915-2006), esse apelido lhe foi dado porque o amigo cantava, o dia todo, as canções do Miguel, cantor mexicano de grande sucesso à época, chegava a ser chato ouvi-lo. Era perdoado por se tratar de um colega boa-praça, alegre e brincalhão. Havia também o Don Juan, que embora feio, baixinho, achava-se bonito e cantava quase todas as meninas da cidade. A dupla Ponto e Vírgula, bastante amigos e andarem sempre juntos, era assim chamada por um ser bem baixinho e o outro bem mais alto.

Às vezes discutiam sobre o trabalho que realizavam, eram várias especialidades, portanto, com diferentes opiniões, mas não brigavam entre si. Não comentavam sobre política e futebol, não havia espaço. Cada qual tinha o seu carro, a garagem estreita e comprida, só permitia guardá-los em fila indiana, isto é, dispostos um atrás do outro. As chaves eram penduradas em local apropriado e quem fosse sair primeiro, pegava a do carro que estivesse na saída da garagem.

Quase todos ficaram por mais de cinco anos juntos, a primeira debandada se deu, quando um deles casou-se e foi morar com a esposa. Depois, foram saindo outros, sempre por motivo de casamento. Em alguns intervalos, apareciam profissionais para substituírem os que saíam, e o regime continuava o mesmo. No final ficaram apenas dois, que escolheram morar em um hotel. Todos que tiveram a oportunidade de vivenciar a República, mesmo que por curto período, levaram boas lembranças.

Embora com formações díspares, Engenheiro Agrônomo, Engenheiro Florestal, Economista, Administrador de Empresa, Sociólogo, Químico, respeitavam-se como profissionais que eram, nenhum entravam na seara do outro, quando alguém necessitava de informações para complementar um trabalho, o consultado prontamente estava ali para atendê-lo.

Era um conviver tranquilo, na cidade não imperava a violência de hoje, era possível sair à noite, sem ser molestado. Depois do jantar, todos iam para a pracinha local, para conversar com os habitantes locais e paquerar as garotas. Os homens encostados em seus carros e as garotas a circularem em volta da praça. Era o famoso “quem me quer?” Dali saíram muitos casamentos, também namoros frustrados. Depois das dez horas, quando “soltavam o homem nu”, as mulheres retornavam aos seus lares, os homens ao “soltavam o leão”, quando não restava mais ninguém na pracinha.

Às doze horas, todos na cama, ninguém pensava em televisão, o outro dia seria de “batente”, levavam a sério o trabalho. Tempo que foi uma escola para cada um daqueles garotos que acreditaram, ao sair de suas casas e deixarem suas famílias, estavam delineando o futuro de cada um.

Alguns já não estão mais entre nós, por motivos diversos.

Gilberto Carvalho Pereira
Enviado por Gilberto Carvalho Pereira em 14/02/2023
Código do texto: T7719076
Classificação de conteúdo: seguro