Histórias que gosto de contar – As peladas da fazenda
Gilberto Carvalho Pereira – Fortaleza, CE, 7 de fevereiro de 2023
Adolescentes ainda, alguns passavam suas férias, quase sempre, na fazenda do pai de um deles. Era divertido. Tinha futebol, banho de açude, passeio a cavalo, dança à luz de lampião Petromax, um candeeiro que queimava querosene. O som era extraído de discos de cera, por uma velha vitrola, cujo som não era tão bom, mas dava para o gasto. Era o que tinham. Também iam as amigas das meninas da casa. Só acabava quando a mãe levava o que iluminava o ambiente, para o quarto dela, hora de todos dormirem.
As meninas se acomodavam na casa grande, os meninos em duas pequenas casas para trabalhadores, reservado para esse fim. Elas logo se aquietavam, os donos da casa não suportavam barulho. Já os garotos passavam horas conversando, contando piadas e planejando o dia posterior.
Quando domingo, havia o futebol, time visitantes x time da fazenda. Era uma pelada, jogavam em campo de barro batido, e descalços. Algumas vezes os garotos visitantes entravam para reforçar (?) o time da casa, enquanto o substituído descansava. Eles não eram de ferro, trabalhavam de segunda a sábado. O revezamento de atletas era permitido, quem mandava era o dono do pedaço. Só do lado dele, justificativa: os jogadores da fazenda trabalhavam muito, a semana toda. Os de fora não reclamavam, havia sempre um “trabuco” na cintura do fazendeiro. Ao final cada jogador, de lá ou de cá, recebia uma cesta de mantimentos, que dava para uma semana. Satisfazia a todos. A vinda dos de fora era paga pelo proprietário, que alugava um “pau-de-arara”, caminhão improvisado para transportar passageiros pelo interior. Podiam trazer até torcedores, na quantidade da lotação do veículo.
Algumas menininhas, que acompanhavam seus namorados atletas, aproveitavam para sumirem, durante o desenrolar da partida, por alguns instantes, tempo necessário para um “sarro” com os garotos da cidade. Era uma festa, havia aquelas mais espertas, chegavam todas produzidas, maquiadas (?), faceiras, e pegavam os mais bonitinhos, segundo os critérios delas. Ganhavam a admiração das amigas, como recompensa. Era o assunto durante a viagem de retorno.
Aquele domingo se prenunciava animado, dois caminhões despejavam jogadores e torcedores, vindos de uma cidade há mais de sessenta quilômetros, em estrada de barro. Mesmo assim a turma estava eufórica, o time da casa não perdia para ninguém. O seu dono não permitia, arranjava sempre um jeito de terminar a partida antes que isso acontecesse. As desculpas eram as mais estapafúrdias. Os visitantes só tomavam conhecimento na hora do acontecido.
Até o início do segundo tempo, a peleja estava empatada, jogo leal, sem confusão. Algumas meninas já não vibravam pelo seu time, nem se encontravam à beira do gramado, isto é, do barro socado, ao redor da quadra. Um dos visitantes vez um gol, o mais aplaudido deles. A “galera”, ensandecida, gritava o seu nome, isto é, o apelido; “aspudo, aspudo, aspudo!” Ele não sabia o significado, mas gostava, era diferente. O herói correu para a plateia à procura da namorada, que até há poucos instantes gritava, euforicamente, lindo! Lindo! Não achando a pretendida entre as torcedoras, se desesperou. Conhecia a lenda do desaparecimento de garotas por aquelas bandas, em dia de jogo. Abandonou o campo rumo “mato adentro.” Outros companheiros de time tiveram a mesma atitude, ao não encontrarem suas respectivas, estavam faltando quatro garotas.
Era mata fechada, sem muitas opções de caminho, combinaram cada um ir em direção diferente, ao encontrarem uma delas, gritariam “estão aqui!”. Nenhum morador local se prontificou a ajudá-los, sabiam o que iriam encontrar pela frente, não pretendiam tomar parte das cenas já presenciadas em outras ocasiões, não queriam testemunhar outros desenlaces amorosos. Os minutos passavam devagar, os atletas enervavam-se, aos gritos chamavam por suas respectivas namoradas, silêncio! Em dado momento um gritou “achei!”, todos correram na mesma direção. Só encontraram uma delas, o rapaz que a acompanhava, percebendo a confusão saiu correndo, desaparecera na mata. Ela, deitada em uma cama de folhas, apresentava ar de satisfação, saciada. O namorado, diante daquele quadro, envergonhado, voltou ao campo, cabisbaixo.
As outras três garotas foram encontradas próximo daquele local, em cenas idênticas, nenhuma delas tinha ânimo para se levantar. Os três repetiram a atitude do primeiro. Os motoristas dos dois “paus de arara”, com hora para retornar, deixaram a fazendo sem as garotas. Tempo depois elas apareceram, com desculpas esfarrapadas, dizendo que foram apanhar caju, e se perderam, na mata. Um morador local as achou e indicou o caminho de volta.