Anjos existem (II)

Era uma moça bonita, alta, cabelos louros, encaracolados, olhos azuis, da cor do céu, sorriso fácil; parecia não conhecer problemas, só solução. Morava em frente à casa de meus avós paternos, na rua São Salvador, meus vizinhos. Eu era muito amiga de sua irmã, Norma Suely. Chamava-se Marilena, para os íntimos, Mari. A Mari era meu ídolo. Ainda criança, admirava-a, queria ser como ela quando crescesse. Todos os dias, impecavelmente trajada, cabelos sempre arrumados, salto alto , lá ia Mari com a kombi que a apanhava , todas as manhãs, para as Casas Regentes, onde trabalhava como vendedora. Metros e metros de tecidos de todas a cores e tecituras: laise, seda, algodão, percal, tergal, linho, passavam por suas delicadas mãos, de segunda a sábado, para, ao final do mês, receber o justo salário, gasto para ajudar sua mãe, comprar roupas, brinquedos para os muitos irmãos. Nunca esqueço uma boneca enorme que comprou para minha amiga Norma em um Natal dos anos sessenta. Tinha olhos azuis, que abriam e fechavam. E era tão linda e tão alta, quase do tamanho da minha amiga. Mari era assim: trabalhava para fazer o outro feliz. Mas ela tinha sonhos, muitos sonhos, e então estudou muito para passar no concurso do Banco do Brasil. E passou. E teve uma carreira brilhante. Trabalhava na Agencia Centro, era caixa. Agora, trocara o tecido por cédulas... eram muitas que passavam por suas mãos. Mas, não só passavam não, Mari continuou pensando no outro. Em suas necessidades e carências. Um certo dia fui pagar uma conta – nunca esquecerei este dia – e Mari , discretamente, me deu uma nota novinha de cem cruzeiros... era para eu pagar a inscrição do Concurso do Banco do Brasil... Não sabia se pegava, se chorava...anjos que nos são enviados por Deus. Que nasceram para fazer o outro feliz. Grande Mari. Trilhou um caminho de sucesso e, por onde passou e passa, deixa sua marca: a solidariedade humana.