A última vez que vi o Rodrigo

Depois de muitos anos, ele estava de volta ao bairro em que crescera para realizar um sonho de adolescente. Rachou com um amigo do colegial um quarto de aluguel e após pegar as chaves foi a uma lanchonete.

_ Um salgado e uma soda, por favor.

_ Ok.

Alguns minutos depois um homem já velho entregou o pedido.

_ Você me parece familiar, vinha aqui com seu grupo quando era adolescente. Você se lembra do Rodrigo? A última vez que o vi estava saindo do país.

_ Sim, ele foi para a Europa tentar uma vida diferente.

_ Espero que ele esteja bem, é um bom garoto.

_ Ele já voltou de lá e tentou coisas diferentes.

_ E você lembra-se do encrenqueiro Jouglas? Aquele dava trabalho.

_ Nem me fala. Bom, preciso ir, até mais.

Dias depois no mercado, estava no caixa passando as compras quando uma senhora o abordou.

_ Eu me lembro de você, estudava naquele colégio da rua Israel. Era amigo do Rodrigo, não é? A última vez que soube dele cogitava ser candidato a deputado ou sei lá o quê.

_ Não tenho certeza – disse ele já ficando enciumado de só falarem do Rodrigo.

_ Se o vir manda um abraço.

Ele saiu do mercado e voltou para seu apartamento, lá conversou com o amigo com quem estava rachando o aluguel.

_ Vamos começar nosso projeto?

_ Sim, demorou.

_ Será um experimento e tanto.

Após um mês ter voltado ao bairro, voltou à lanchonete, fez seu pedido como de costume.

_ Sabe, a última vez que falei com o Rodrigo, ele me disse que queria ser presidente da república, acredita? Disse que no colégio simulavam debates e votações. Ele disse que ganhou uma eleição contra você, confessou que ficou sem graça, mas que gostou da vitória mesmo assim.

_ Nem me lembro disso – disse ele que lembrava muito bem.

_ Se você encontrar o Rodrigo mande lembranças. – pediu o dono da lanchonete ao entregar o pedido.

_ Com certeza mandarei.

Após estar satisfeito do lanche, ele saiu e foi a um barbeiro.

_ Quero um corte básico, máquina 2 – pediu.

_ Igual do Rodrigo? – perguntou o barbeiro.

_ Sim, porque na verdade eu sou o Rodrigo – disse ele.

_ Mentira? Sério mesmo? Nossa! Quanto tempo, que prazer ter você aqui. E aquele seu amigo, o Rui, tem notícia dele?

_ Nunca mais o vi.

Depois da fala do barbeiro o salão ficou em silêncio. Era só os dois e mais um cliente esperando.

_ Pronto, corte feito, até mais e seja bem vindo de volta, Rodrigo.

O barbeiro reparou que um homem que aguardava para ser atendido saiu logo após o “Rodrigo” ter saído. Será que ele está sendo seguido? – pensou o barbeiro.

Numa segunda-feira chuvosa, ele voltou à lanchonete.

_ Um salgado e uma soda, por favor.

_ Já te entrego, mas deixa-me contar a novidade: o Rodrigo apareceu por aqui.

_ Aqui na lanchonete?

_ Acho que sim, não tenho certeza, mas eu soube que ele anda por ai. Aliás, preciso falar com um amigo policial, pois o barbeiro percebeu que ele estava sendo seguido, será que é aquele Rui das antigas?

_ Que bom, não é? Velhos moradores de volta. Agora sobre ser seguido, é bobagem.

_ Pode ser. Contaram que ele ganhou eleições passadas.

_ Ah sim, depois que voltou do exterior.

_ Exato.

Após ter terminado o lanche, ele voltou ao mercado. Entrou na seção de guloseimas caras. Aquela mesma senhora voltou a falar com ele.

_ Eu soube que o Rodrigo anda por ai.

_ Mas é com ele que você fala, vem cá, me dá um abraço.

_ É você, Rodrigo? Mas que surpresa. Soube que é deputado, sabia que...

_ Oh minha senhora, outro dia a gente marca um café e fala disso. Agora preciso ir.

_ Espere, espere. Você lembra-se de um amigo seu, o Rui? Ele está sumido. Meu neto e ele eram grandes amigos.

_ Não sei dele mesmo. Até mais ver.

Naquele mesmo dia à noite, ele foi a lanchonete para jantar. O dono tão logo foi abordando.

_ Mas Rodrigo, você nem pra passar por aqui?

_ È que, que, voltei quase agora.

_ Ficou famoso e não quer saber mais dos amigos. Você aceita um pedaço da melhor pizza?

Depois de ter comido e estar satisfeito ele chamou o homem.

_ Deixa eu te perguntar: eu tenho vindo esses dias todos e hoje você me chamou de Rodrigo?

_ Mas este não é seu nome?

_ Não, eu me chamo Rui.

_ Ah eu me confundi, mas sabia que na origem dos nomes Rodrigo e Rui tem o mesmo significado?

_ Entendi, mas sabia que o Rodrigo estava no mercado, falou com a dona Estela, acredita que ela ia pedir uma ajuda aproveitando que ele é deputado.

No dia seguinte, Rui voltou a lanchonete e pediu o de sempre.

_ Aqui está o seu pedido.

_ Obrigado.

_ Você lembra aquele dia que você e o Rodrigo foram pescar...

_ Chega! Não quero saber mais.

_ Calma, por que tanto estresse?

_ Sabe por quê? Porque desde que voltei pra este bairro você só sabe falar do Rodrigo e eu não existo?

_ Vá com calma.

_ Quer saber a última vez que vi o Rodrigo? Foi antes de entrar nesta lanchonete. Ele entrou atrás de mim. Vem aqui Rodrigo para que ele te veja.

Da mesa de trás aparece Rodrigo usando um boné com uma câmera na mão.

_ Pode ser que eu tenha estragado nosso projeto, mas depois a gente arruma.

_ Que engraçado, esses dias este rapaz que eu mal reconheço veio aqui e ele disse que estudou na turma de 98, foi aí que perguntei se ele tinha visto o Rui. Não é verdade? – perguntou o homem se dirigindo para Rodrigo

_ É verdade, Rui.

_ Acredito que nosso filme acabou. Voltamos ao bairro e filmamos como seria o retorno de um jovem que não aparecia há muitos anos – disse Rui.

_ Qual o nome que podemos dar? – perguntou Rodrigo.

_ A última vez que vi o Rodrigo – respondeu Rui.

_ Desculpa interromper, mas você é mesmo o Rodolfo?

_ Rodolfo? Não, sou Rodrigo.

_ Não acredito este tempo todo falando Rodrigo, mas na verdade eu estava pensando em Rodolfo do oitavo ano A. – disse o dono da lanchonete.

_ Nós éramos do oitavo ano D.

_ O dono dessa lanchonete no nosso tempo era o Sr. Juvêncio, ele continua sendo o dono? – perguntou Rodrigo.

_ Eu me chamo Ciriaco e sou dono daqui antes de vocês terem nascido. Esse tal Juvêncio tinha padaria na outra esquina.

Os três se entreolharam e Rui disse por final.

_ A gente devia ter chamado o Samuel para ser produtor.

27 de janeiro de 2023.