Histórias que gosto de contar – O garoto da banda de cá
Gilberto Carvalho Pereira – Fortaleza, CE, 24 de janeiro de 2023
Wanderlucio, garoto nascido na periferia de uma média cidade brasileira, de pais desconhecidos, fora deixado ao nascer, na porta da casa de uma senhora de meia idade, beirando os cinquenta e cinco anos, a quem chamava de mãe, desde que principiou a balbuciar as primeiras palavras, uma alegria para dona Áurea. Sem condições de criar a criança, fez de tudo para não lhe faltar, pelo menos, o básico, para que não passasse fome. Os primeiros anos foram bastante, prontificando-se a lavar roupa para pessoas de suas mesmas condições, em troca de um prato de comida, um pouco de leite para a criança e molambo, pedaço de panos ou roupa velha, que para alguém não prestava mais.
O menino crescia e o seu entorno também. Garoto esperto, aos seis anos já trabalhava, fazendo pequenos serviços para a vizinhança. Todo o trocado que conseguia, repassava um pouco para a mãe Aura, assim que chamava a já sexagenária senhora. A outra parte ele enterrava, dentro de uma lata, no pé de uma frondosa mangueira, que fazia sombra em quase toda área do terreno onde morava. Era tão escondido que nem a mãe sabia desse esconderijo. Dizia que era para quando tivesse muito, compraria um carro e uma casa para eles. O caráter ambicioso já habitava o seu coração.
Ao menino, a dona Áurea sempre falava que não fosse para o lado da banda de lá. Sem explicação para esse motivo, crescia enorme curiosidade na mente de Wander, como era mais conhecido. Ele conseguia chegar até a outra calçada, mas, em respeito à mãe, e medo do desconhecido, dava meia volta.
Enquanto isso, o bairro crescia, casas e mais casas eram construídas, gente e mais gente chegando. A banda de lá continuava a mesma, com os seus segredos. Parecia que havia um pacto entre as duas bandas, a de cá e a de lá. Os problemas aumentavam, as diferenças entre bairros ricos e periferia aumentavam, de forma contínua. O cofrinho de Wander quase não recebia mais trocados. Eram muitos a fazer o seu trabalho, por isso começou a praticar pequenos furtos, rendia-lhe mais. Com treze anos fez a primeira tentativa de visitar a banda de lá, chegou até às primeiras casas, percebendo que eram maiores, com carros nas garagens e quase ninguém perambulando pelas ruas. Parecia que todos trabalhavam nos bairros elegantes da cidade, pensou ele.
No dia do seu aniversário, que ele nem sabia se aquela data era real, fez mais uma incursão pela banda de lá, agora não pretendendo dar ouvidos ao que a mãe falava a respeito. A mãe já não se preocupava com ele, pois tinha certeza de que nada de ruim ele estava fazendo. Os trocados, frutos do trabalho do garoto, pensava ela, continuavam entrando em casa.
Naquele dia demorou a voltar. Quando chegou, trazia mais dinheiro que o costume, repartiu com a mãe, que achou estranho, mas não falou nada. Apenas pensou: um trabalho mais pesado e mais demorado, mereceu!
No outro dia saiu mais cedo, a mãe nem percebeu. Quando acordou viu o café posto na mesa, com pão e algumas frutas. Sorriu, e exclamou alto: obrigado Senhor, meu filho está crescendo, responsável e trabalhador. Para agradecer ela não foi dormir, sentou-se em uma velha cadeira de balanço, adormecendo ali mesmo. Nessa noite ele não apareceu. Quando chegou pela manhã viu a mãe dormindo na cadeira e não fez barulho, para não acordá-la, procedendo como no dia anterior, café na mesa, pão e as frutas não comidas, anteriormente.
Tomou banho e foi dormir, ficando na cama até as doze horas. Sua mãe não o acordou, imaginando que o trabalho pesado prosseguira pela noite adentro. Viu o dinheiro sobre a mesa, assustou-se, pois era um volume maior que o da manhã anterior. Sorriu satisfeita, sabia que de agora em diante não mais faltaria dinheiro naquela casa, dinheiro conseguido com o trabalho pesado realizado pelo filho.
Mais um dia de trabalho, pensou a mãe. Espero que não cheque muito tarde. Já nem tenho tempo de falar com ele, parecemos dois estranhos dentro de casa, sempre se esquivando, evitando-me. Acho que vou acompanhá-lo sem que ele perceba. Ficou de tocaia, esperando que ele saísse para descobrir de onde estava vindo tanto dinheiro.
Infelizmente, exatamente na hora que o filho traspassava a porta da frente, para ir trabalhar, dona Áurea começou a sentir forte aperto no coração e uma sensação de formigamento que nunca sentira antes. Correu para a cama e deitou-se. Tentou gritar, mas não conseguia, foi perdendo os sentidos e não mais recuperou-se. Naquela hora uma guarnição da polícia militar entrava na rua principal da banda de lá, encontrando o garoto Wanderlucio em atitude suspeita. Pediram para parar, o que não foi atendido. Nova ordem, dois tiros ele caiu sem vida. Como estava sem documento a polícia o levou ao hospital largando-o lá, sem nenhuma informação.