Pente de madeira
Naquele pente de madeira, havia um só tempo. Em sua natureza de árvore, o pente pairava a mesma idade na ventania dos anos. Rugas e manchas foram riscando, até o desaparecimento, a juventude das mãos. O preto foi vencido, fio a fio, pela senilidade do branco. Mas o pente arborizava-se em perene existência. Era o detalhe sólido na imagem invertida no reflexo.
No reflexo, uma mão jovem, lisa e firme desliza, delicadamente, o pente de madeira em ralos cabelos brancos. Olhos castanhos, de tom da pouca areia que falta escorrer pela ampulheta, fixam atenção ao pente, que permanece desfeito de tempo, ali e na memória.
Na memória, o pente está em uma mão jovem, lisa e firme, que ajeita, com cuidado maternal, os cabelos de uma menina. Fecha os olhos para ver melhor a criança. Sorri ao percebê-la perfeitamente no passado.
No passado, a menina tem os olhos no espelho deitando admiração no pente de madeira. Os olhos são castanhos de tom de areia viva desconhecedora da ampulheta. A criança acompanha as mãos ternas e ágeis da mulher, que retoma a regularidade do tempo para abrir os olhos no presente.
No presente, a imagem espelhada inverte duas mulheres, transformadas em suas idades, escoando-se na areia do tempo. Suas ampulhetas seguem, frias, a natureza da gravidade, com grãos caindo e morrendo. O espelho, no entanto, deixa invisível o essencial: o milagre que eterniza e enternece a humanidade, que está na simbiose de mãe e filha, mistério que torna fugaz até mesmo aquele pente de madeira.