Outsider
Outsider
Acordo assustada com o ribombar dos trovões e os clarões dos relâmpagos. Já são seis e meia da manhã. Tateio a parede em busca do interruptor. Luz acesa. Fico observando o globo leitoso estilo escada, anos 1950. De vez em quando gosto de observá-lo. E me pego pensando de como sou vista pelo ângulo do ilustre globo. Talvez ele me considere excêntrica, por meu comportamento nada comum. A noite toda é uma balbúrdia. Primeiro com o travesseiro, durmo abraçada a ele, depois me canso e atiro-o na poltrona à frente. Mas em poucos minutos me levanto e o resgato para a cama. Depois os pés requerem minha atenção, agora são as meias atiradas ao chão pelo calor que eu não esperava, e instantes depois os pés gelam e as calço novamente. Por tudo isso me pergunto será uma diversão ou um enfado me observar.
Mas você também tem sua estória. Habita esse quarto desde a construção dessa casa que presumo ter sido construída há mais de sessenta anos. Por tudo isso deve ter compartilhado as mais dispares personalidades. Espero sinceramente que eu não seja a mais esdrúxula de todas. Mas você me fita desconfiado. A calmaria aparente vem pela manhã quando acordo e retoma a rotina diária de leitora ávida. Todo meu ser responde de acordo com o comportamento dos personagens. Às vezes gargalho, ou simplesmente sorriso suave. Pode vir uma torrente de lágrimas e de outras tantas me desespero apertando o livro contra o peito. Por vezes as luzes piscam, e outras se apagam, preciso urgente de um reparo elétrico, mas quem sabe é uma dica para que eu abra a janela e deixe os raios de sol entrarem. Ou ainda você deseje que eu vá lá fora respirar ar puro. Ah meu bom e velho globo como você deve imaginar o quanto sou insociável, mas digo que não tanto. Gosto de pessoas, lá fora é onde colho meus personagens. Mesmo que sejam uns quinze minutos de caminhada por dia eu sempre descubro potenciais personagens. Ontem mesmo estive com Dom quixote. O livro, é claro, não cheguei ao ponto de confundir o jardineiro com o personagem. O Wi-Fi desligado, o celular desligado, a TV esquecida. Vou agora continuar essa aventura. Mas primeiro deixa eu coar meu café. Au revoir!