Histórias que gosto de contar – Peitando o pai

Gilberto Carvalho Pereira – Fortaleza, CE, 17 de janeiro de 2023

Noite confusa na vida de seu Joaquim. O próprio, perplexo, não queria crer que sua casa entrara em barafunda. A esposa, d. Marilda e seus quatro filhos, duas meninas e dois meninos não se entendiam mais. Aqui nos interessa apenas um nome, o Ronaldo, já com 16 anos, estudioso e responsável. Cuidava dos outros três irmãos com carinho, mas com firmeza. Conhecia a sua responsabilidade com a família, fervoroso Evangélico. Seu pai, por trabalhar o dia todo, almoçando em casa somente aos domingos, não se preocupava muito com a educação da meninada.

A mãe vivia cansada, cuidava da casa, lavava e passava as poucas roupas de uso pessoal, os lençóis, colchas de cama, toalhas de banho e de mesa. Ajudava nas tarefas escolares das crianças e era responsável pela preparação das refeições, incluindo aí, café da manhã, preparado costumeiramente antes de o marido sair, pão, café, tapioca, preparada na hora que ele já se encontrava sentado à mesa, uma fruta, que podia ser mamão, banana ou laranja, devidamente descascadas. Satisfeito, saía sem dizer nada, apenas resmungava algo não compreensível.

Um pouco mais tarde, no acordar das crianças, a mesa voltava a ser servida, com mingau à base de amido de milho, pão, e, às vezes, bolachas. Apenas Ronaldo tomava café, pois já era quase “de maior”. Nessa condição, o adolescente usufruía de certos privilégios, como levar um pedaço de pão com manteiga e queijo, “para fortalecer quem já trabalhava”. O garoto trabalhava numa oficina de carro, como aprendiz. O local de sua atividade laboral encontrava-se no caminho da escola das meninas, levadas pelo responsável irmão, a quem devotavam respeito e carinho.

Com a casa em silêncio, chegava a vez de dona Marilda fazer sua refeição matinal, ato que executava de pé, sentar-se era um desperdício de tempo, segundo ela. Fazia tudo correndo e ouvindo novela pelo rádio, das dez às onze horas, todos os dias. Esse era o único divertimento que se dava. Enquanto isso, colocava água no fogo para cozinhar o feijão, preparava o arroz, o macarrão, assava um naco de carne ou frango e fazia uma farofa. Todos os dias, tudo igual.

As crianças voltavam da escola às 11h30, trazidas por Ronaldo, que almoçava e logo retornava para a oficina. À tarde, lá para às 14h, todas as meninas já estavam sentadas à mesa, fazendo as tarefas escolares. O pequeno Maurício, ainda não ia para a escola, ficava ali ao pé da mesa com os seus brinquedos, todos desmontados, uma mania, procurando consertá-los, sem sucesso. O pai só chegaria depois das 20h, e Ronaldo ia direto da oficina para a escola, depois de tomar banho em seu local de trabalho. Voltando para casa só depois das 22h30.

Naquele dia, ao retardar sua ida para a escola, avistou seu pai aos beijos com uma vizinha. Parecia ser uma cena corriqueira, pois eles não procuravam esconder-se dos passantes. Sentado em um banco da praça local, trocavam carícias ardentes de amor. O sangue do garoto começou a ferver dentro de seu corpo, teve vontade de afrontar o pai, mas sabia que armaria um escândalo, chamado a atenção da vizinhança. Preocupado em não causar constrangimento para a sua mãe, foi para casa, trancando-se em seu quarto.

Quando ele percebeu que seu pai havia chegado, foi para a rua e sentou-se no meio-fio. Sua mãe o chamou para jantar, ele não obedeceu. O pai, já sentado à mesa, berrou, chamando o filho, que fez ouvidos moucos. Sem saber o motivo daquela revolta, o homem levantou-se e foi bater na porta do quarto do garoto. Sem resposta, o pai forçou a entrada, rompendo o que o impedia de avançar quarto adentro, deparando-se com o filho assustado e semblante irreconhecível.

─ O que está acontecendo, garoto?

─ Vou embora desta casa! Estou cansado de ver minha mãe se matando por você e por nós, e você fica se agarrando com a vizinha na praça.

Assustado, o homem sentou-se à beira da cama do filho e, quase chorando, pediu desculpa, jurando que não mais chegaria perto daquela mulher. De agora em diante procuraria tratar sua mulher, a mãe deles, com mais respeito e dedicação.

─ Pretendo preservar minha família – disse-lhe o pai.

Nessa hora, d. Marilda entrava no quarto, curiosa para saber sobre tão demorada conversa. Vendo-os chorando, abraçou-se aos dois, deixando escorrer sua dor pela maltratada face. Imaginava a tragédia prestes a acontecer, desconfiava do relacionamento pecaminoso do marido com a vizinha, agora descoberto pelo filho. Ficaram assim por bom tempo, choveram promessas e pedidos de desculpas.

Pela manhã tudo voltou ao normal naquela casa. Os pirralhos não ficaram sabendo do acontecido, o marido limpou a barra noticiando à família que no final de semana iriam para uma casa mais confortável, perto do emprego do irmão mais velho e da escola das meninas. Todos gritaram de alegria, só a mãe e Ronaldo sabiam o motivo daquela atitude.

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N. Autor - Retornando às nossas histórias semanais. Por motivo de doença, desde novembro de 2022 não venho escrevendo para a página “Recanto das Letras.”

Gilberto Carvalho Pereira
Enviado por Gilberto Carvalho Pereira em 17/01/2023
Reeditado em 17/01/2023
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