NOSSO PASSADO
Agora mesmo, olhando para aquela foto, nós duas, maduras, cada uma com sua família, tudo parece fazer sentido.
Fomos duas meninas incríveis. Estudamos na mesma turma sei lá por quanto tempo, mas sei que na minha mente foi enorme, pela idade que eu tinha.
Éramos voltadas para os esportes e por isso nos dávamos tão bem. Jogávamos caçador, vôlei e handball, mas quase sempre em times opostos, para não ficar desafiador ao time que enfrentasse as duas juntas, pois isso seria impossível. Tínhamos um arremesso quase mais forte que um tiro de canhão e não estou brincando. O negócio era exatamente assim, principalmente no caçador que era o nosso preferido, onde dois times se enfrentavam até chegar aos últimos dois adversários, um em cada time. E adivinha quem eram os dois últimos. Sempre nós duas, uma em cada lado.
Era sempre muito bom estar com ela, pois nós éramos, além de unha e carne, muito parecidas. Não gostávamos de muitos enfeites e nem de conversa fiada. Estávamos sempre de “rabo de cavalo”, aquele cabelo preso com uma borrachinha, imitando um rabo do cavalo mesmo, e prontas para a próxima partida. Gostávamos mesmo era de correr no pátio e nada mais. As vezes ainda rolava uma festinha, ao qual chamávamos de “reunião dançante”, onde podíamos interagir um pouco mais e dançar com o par que éramos apaixonadas, que por sinal era o mesmo, mas nunca brigamos e nem nos desentendemos por causa disso.
Ela era amorosa e linda e vivia com os dedos na boca, sempre roendo unhas e carnes, chegando ao ponto de sangrar. E até hoje não sei o que a levava a isso, mas pensando hoje, ela era super ansiosa, não parava um segundo, sempre corporalmente muito agitada. Era minha parceira preferida. Acredito que eu devia ser também, não lembro bem.
Um belo dia ela desapareceu da minha vida, sem nenhuma explicação. Eu não soube a razão de ela ter ido embora. Aquilo foi um grande choque, pois me senti sozinha naquele momento. É bem impressionante o fato de os adultos não darem a mínima explicação para as crianças. Ninguém imagina que uma criança possa ficar chateada com o desaparecimento de sua melhor amiga, mas foi assim que eu me senti. Me recordo hoje da minha sensação ao lembrar daquele tempo, quando minha melhor amiga desapareceu dos meus olhos.
O interessante foi que mais de trinta anos depois, ao levar meu filho na escola, que já estava com oito anos, olhei para o lado e reconheci aquela carinha doce e meiga da minha infância. Fui correndo até ela.
- Tu és a Catarina? – perguntei abrupta e ansiosamente.
- Sim – respondeu ela.
Fiquei mega emocionada e dei uma risada. Meu Deus, minha melhor amiga da infância estava ali, na minha frente, depois de trinta anos e depois de ser sugada pelo mundo e eu nunca mais a ter visto. Agora ela estava ali.
Mas ela parecia não saber do que eu estava falando e o sorriso dela não era o mesmo que o meu naquele momento. Ela parecia que estava mais feliz por mim do que por ela, ao me ver. Aquilo me fez ficar talvez um pouco estranha, mas para não me deixar magoada ela imediatamente ela começou a falar sem parar.
- Não estou me lembrando de ti, mas não leva a mal, porque eu sofri um acidente aos dezoito anos e não recordo quase nada minha infância – e continuou. – Bati a cabeça e perdi a memória e tive que aprender a andar, falar, escrever e tudo o mais que tu possas imaginar.
Acredito eu que eu deveria estar neste momento tendo que segurar o queixo para a boca não abrir.
- Que coisa – foi só o que eu consegui responder e segui ouvido tudo o que ela queria me dizer, pois a essa altura eu estava com tanta saudade dela que nem mesmo queria falar, mas somente ouvir toda a sua história.
Eu sei que as crianças entraram, meu marido já estava na porta da escola me esperando e eu não conseguia parar de olhar para ela e de ouvir com toda a minha atenção tudo o que ela estava me contando.
Não existe como eu explicar a alegria que senti em vê-la, apesar de ter ouvido uma história tão triste.
Depois disso, passamos a nos ver sempre, pois nossos filhos estavam frequentando a mesma escola e no clube, pois somos ambas sócias.
Há uma semana ela me contou que estaria se divorciando. Me sinto feliz em estar ao lado dela nesse momento, trazendo consolo e boas palavras, sem interferir em seus sentimentos e decisões.
Continuamos nos sentindo bem uma na companhia da outra, pois o papo flui e nem consigo perceber que na nossa volta existem pessoas correndo e crianças brincando.
A amizade é algo tão importante. Tanto para os adultos como para as crianças. Termos com quem contar e para quem contar é algo que vem de Deus.
Hoje, nossos filhos são amigos também e neste momento me comprometo com eles em nunca permitir que um saia da vida do outro sem qualquer explicação, para que eles não sintam jamais o que eu senti um dia, quando Catarina desapareceu de minha vida e me fez sentir só.
Roberta Pimentel