Trauma e superação
Carnaval, uma noite de alegria, folia, diversão... O que para muitos causa euforia, para mim causa espanto...
“Finalmente, chegara a tão sonhada noite de carnaval. A cidade toda iluminada chegava a cegar os olhos com tanto brilho. Muita gente fantasiada, muita música e muita purpurina... Apesar de eu não ser muito fã da folia, resolvi sair para me divertir, porém, nada aconteceu como o planejado e o que era para ser diversão, transformou-se em um dos meus maiores pesadelos já vividos.
A música rolava solta naquele grande salão de festa, daquela pequena cidade, onde todos se reuniam nos finais de semana e nos dias comemorativos, por ser um lugar perfeito para se divertir, dançar, beber, beijar, adulterar e, principalmente, brigar, como era o caso de alguns, que agiam como se estivessem num ringue local.
Enquanto eu, sozinha numa mesinha de fundo, ora apreciava os belos casais de dançarinos, ora, simplesmente, fixava o vazio. Sob o efeito do álcool e dos meus próprios demônios, perdia-me entre meus pensamentos e delírios...
A noite fluía naturalmente para os outros, mas não para mim que, como sempre, continuava introvertida e amuada num canto. Nunca gostei de dançar, aliás, nunca aprendi a dançar, mas esse não era o único motivo de eu estar ali sentada e sozinha ao invés de estar me divertindo como os demais. Nunca gostei de lugares lotados, em ocasiões assim, sentia-me um peixinho fora d’água, porém, eu tinha necessidade de sair, me divertir nem que fosse somente para beber e lavar a alma com as lágrimas. Isso era óbvio: “beber e chorar”, motivos era o que eu mais tinha...
“Em um dia comum como qualquer outro, eu saí de casa rumo ao trabalho. A diferença, no entanto, foi que eu só regressei três anos mais tarde. Para trás, eu deixei meus filhos pequenos na companhia de minha mãe... Pobrezinhos! A única fonte de renda, que eles tinham, era a minha e, mesmo assim, eu os deixei à mercê da misericórdia de Deus.
Na época, eu lutava com a depressão; o pai dos meus filhos tinha recém falecido e eu estava sem chão, apesar de, o tempo todo, mostrar-me forte. No fundo, eu estava sofrendo muito. Juntando o meu próprio ódio e os acontecimentos de então, perdi o controle, fiquei fora de mim. E o que fiz foi sair pelo mundo afora, sem nenhuma direção. Nesse meu percurso, encontrei muitas pessoas boas, mas também muitos “animais” disfarçados de homens.”
Lá estavam as pessoas se divertindo, como sempre, parecia até que eu era a única infeliz daquele lugar e, inclusive, eu estava usando máscara. Talvez para encobrir a tristeza estampada em minha face.
Não estava me sentindo muito bem, então, fui para o lado de fora do salão. Eu precisava respirar e me afastei um pouco de toda aquela aglomeração. Sentei-me na calçada e pus-me a chorar, lamentando minhas próprias desgraças. Foi aí que um rapaz se aproximou e veio conversar comigo. Eu não estava muito a fim de conversar, só queria mesmo sumir daquele lugar. Mas ele se prontificou a me levar para casa e eu, muito ingênua, aceitei, sem ao menos o conhecer. Esse foi o meu maior erro.
Saímos de lá, mas logo notei que o percurso que ele estava fazendo não era o correto, ele não estava me levando para casa. Na verdade, ele estava saindo da cidade e entrando numa estrada deserta e cercada de plantações por todos os lados.
Silêncio, escuridão e medo, tudo se confundiu dentro de mim naquele momento. Pensei comigo: “Estou morta!”
Eu perguntei por que ele não estava me levando para casa e, grosseiramente, ele me mandou calar a boca. Mas eu não calava e quanto mais eu falava, mais aquele homem se irritava e fazia ameaças e me agredia fisicamente. Num determinado momento, ele apertou as mãos em volta do meu pescoço e tentou me asfixiar. Ele só parou ao ouvir uma voz que vinha do banco traseiro: “Deixa a moça em paz, cara! Não está vendo que ela está com medo?”
Pensei: “Agora estou perdida!” Mas o outro era apenas um homem embriagado, sem forças até para se mover. Mesmo assim, meu algoz me soltou, embora continuasse com as ameaças. De repente, sem medo do que viesse a ocorrer, eu reagi: – O que você quer de mim? Quer me estuprar? Vai, me estupra! Faça o que quiser comigo! Quer me matar? Me mate e me jogue aí mesmo, no mato, não farei nenhuma falta!
O cara estava uma fera e com aquela cara diabólica e aquele ódio tenebroso em seus olhos, ele continuou com suas ameaças:
– Cala sua boca, vadia! Te mandei ficar quieta... – Quanto mais eu falava, mais ele se irritava.
– Já mandei você calar a boca! Não quero ouvir nem um chiado seu! – Mas mesmo morrendo de medo, insisti:
– Quer me matar? Me mate de uma vez! Me faça esse favor! Não tenho mais nada mesmo. Perdi meus filhos, o homem que eu amava morreu... Portanto, não tenho mais nada a perder. O que eu tinha que fazer neste mundo, eu já fiz... Me mate! Acabe com a minha vida e poupe-me o trabalho de eu mesma ter que fazer isso!
Tomado por uma fúria incontrolável, aquele homem se irritou de forma diabólica, irreconhecível, puxando-me com força pelo pescoço e comprimindo suas mãos sobre a minha boca. Juro que vi a morte bem ali, na minha frente...
Depois disso, não sei bem o que houve, foi tudo muito rápido. Acredito que eram as mãos de Deus agindo, não tem outra explicação para o que aconteceu. Simplesmente, comigo ainda sob suas garras, ele, de repente, disse:
– Não vou te matar, sabe por quê? Porque você já está morta...
Nisso ele tinha toda razão, eu já estava morta há muito tempo. Essas foram suas últimas palavras antes de me soltar. Então, ele fez um retorno e me levou para casa sem dizer mais nada.
Ainda atordoada, saí daquele carro sem olhar para trás. Entrei em casa, olhei no espelho e vi um rosto assustado e coberto de lágrimas. Com minha voz ainda embargada, elevei a Deus uma oração e agradeci pelo livramento, por estar respirando...
A partir de então, aprendi a valorizar a vida. Apesar dos pesares, Deus me manteve viva... Renasci...
Confiante nos propósitos de Deus, estou vivendo, lutando um dia após o outro... Seguindo firme e forte com a minha missão.