Aquele Menino
Aquela mulher aparentava um desgaste total, quando entrou na loja. Uma livraria de médio porte no andar superior do shooping, no qual eu era uma das atendentes. Ela estava visivelmente cansada, mas eu não consegui bem identificar exatamente o que a estava incomodando. O cansaço poderia ser meramente físico, mas acredito que algo havia por trás daquela cara.
Ela entrou de braços dados com um menino. Eles eram muito parecidos, o que me levou a crer serem mãe e filho. O menino era muito lindo. Um moreno, alto e de sobrancelhas bem grossas. O cabelo liso como o de um indiozinho, mas o corte moderno, como esses que se usa hoje em dia, com risquinhos feitos de navalha. Os meninos costumam usar esses cortes nos dias atuais, os quais chamar de "cortes na régua" e realmente parecem ser feitos com o auxílio de uma régua, de tão retinhos e perfeitos.
O menino era quase do tamanho da mãe, apesar de ter a aparência de uns doze ou treze anos. Dava para ver que a puberdade se iniciava, pois ele já tinha espinhas no rosto, as quais tenho certeza, o estavam já incomodando.
O menino já ficou pela entrada da livraria, onde as capas dos exemplares chamaram sua atenção. Capas de livros de suspense são realmente atrativas, principalmente quando estamos nesta idade e me recordo de mim, pois eram meus favoritos. Quanto mais sustos e sangue tivesse, além de impacto emocional e uma dose de sensualidade, melhor.
O rapazote aparentava ter se encontrado naqueles livros. Começou incessantemente a ler as sinopses e a comentar com muito entusiasmo com sua mãe que, visivelmente, começou a se erguer das cinzas.
Aquela mãe que, há segundos, parecia desorientada e profundamente desgastada, agora se mostra interessada e podemos até dizer que, está com uma ponta de sorriso, demonstrando uma felicidade iminente.
O guri pula de um livro para outro, de um lado para outro daquela estante, puxando e chamando sua mãe, que com ele pula também. Ambos agora parecem que estão dançando uma linda valsa ao redor daquela estante dos livros de suspense.
Finalmente o jovem rapaz demonstrou interesse maior por um dos títulos e sua mamãe faceira passou para outra fase, onde pulou rapidamente ao caixa e foi pagar o exemplar e levar seu filho para degustar uma boa leitura.
Ao chegar ao caixa, curiosa com tudo o que presenciei, fui até eles.
- Fizeram uma boa escolha - disse eu, uma vez que tal leitura faz parte das minhas preferidas.
A mãe, agora com uma cara de quem quer fazer um breve desabafo, me pegou pelo braço e se afastou do menino, que seguia absorto com seu livro, agora já espiando a introdução.
- Sabe, querida, meu filho tem uma resistência incrível à leitura - disse e continuou - mas agora, para minha surpresa, ele amou esta história. Glória a Deus que agora acho que vou conseguir que ele se interesse por ler. Não sei como pode esse menino. Eu sempre fui uma devoradora de livros. Não puxou a mim - completou a mãe, agora com esperança nos olhos.
Agora foi minha vez de contar.
- Pois a senhora sabe, eu a estava observando. Como os filhos são importantes para nós. Eu vi a senhora estrar cabisbaixa e meditabunda e, assim que ele se interessou pelo livro, a senhora mudou completamente o seu semblante.
Agora com olhar apreensivo ela complementou.
- Vou te dizer uma coisa. Esse menino está assim por conta do uso em excesso do celular. Sabe como são as coisas. A gente precisa fazer as coisas em casa e também trabalhar e por isso, acabamos cometendo o erro gravíssimo de dar o celular, para podermos ter um tempo para isso. E esse é o pior dos erros de uma mãe.
Ela se empolgou e seguiu.
- Andei vendo um estudo, que o uso do celular em demasia causa irritabilidade, impulsividade, falta de foco, entre outras coisas horríveis. Nesse estudo eles dizem que o efeito é o mesmo das drogas. O uso do celular produz "dopamina", igual como cheirar uma carreira de cocaína - disse a mãe agora de olhos arregalados. Mas não é só isso. Quando a gente tira o celular deles, eles passam por uma síndrome de abstinência e é aí que a "porca torce o rabo". Eles ficam enlouquecidos, querendo nos matar.
Esta talvez tenha sido a cara que a mãe entrou na loja minutos antes, cara de quem estava prestes a ser assassinada. Seguiu contando.
- E é por isso que estou aqui, na esperança de que este menino se interesse por uma boa leitura. Agora a esperança está em meu coração. Vamos ver se desta vez ele toma jeito.
A mãe se despediu e saiu bem orgulhosa do filho.
Eu, assim que saí do trabalho naquela noite, voei para casa e, a primeira coisa que fiz, foi desligar telefones das minhas crianças e propor a elas um belo jogo de cartas.
Depois daquele relato, eu não poderia ficar alheia. Imediatamente comecei um processo de desintoxicação, mas obviamente que comecei por mim.
Pude ver os corações se acalmando em minha casa e nem mesmo tinha a mínima noção do porquê havia tantas brigas em meu lar.
Gradativamente as coisas melhoraram e hoje sou eternamente grata por aquela mãe ter entrado na loja onde trabalho, exatamente em meu turno.
Mas, como não acredito em coincidências, também agradeci a Deus, pelo recadinho que recebi dele, através do coração daquela mãe aflita.