Irmandade
As irmãs Tatá e Zarica, partilhavam as agruras da vida operária, uma cerca de tela a dividir seus quintais e, quiçá, pouca coisa mais. Nem mesmo a cor da tez as unia, pois onde Tatá clareava, aí é que Zarica escurecia. Mas iam vivendo, com seu trabalho,
suas famílias - a de Zarica era bem numerosa, em contraposição aos 3 filhos de Tatá - e os maridos, que contavam menos na equação.
Jeso e Nirto, formavam esse par, sem muito entre si combinar. Jeso, escuro, um cavalão, casara-se com Zarica e vira esvair quase toda sua seiva de garanhão, daí viver ultimamente só de sua pensão. Já Nirto, menos aquinhoado de físico e de
articulação verbal, costumava fechar-se em copas e de si, pouco dava sinal. A verdade é que a fábrica, com seu ruído infernal, aquela algodoaria por todo lado, aqueles gerentes exigentes, o salário atrasado, acabava deixando todo mundo
esgotado naquele longínquo Brumado. Todavia, tanto zunia, quanto os unia.
Um dia para fazer a limpeza de seu quintal, Tatá chamou um João do Freire, homem de pouca iniciativa mas que, precisado, pegou a tarefa pra ganhar uns cobres - que dariam pra pagar uns goles que já havia tomado por conta. Ou quem sabe andava
ainda em jejum por ninguém lhe ter ainda fiado algum?
E em meio ao causticante sol, João - sem ao menos um chapéu de palha a lhe proteger o sensível e oco coco - tá que roça e capina. Não era grande o espaço, nem denso o matagal, mas tanta pedra e o terreno inclinado lhe tornavam o esforço
redobrado.
Horas de suor a fio, e a calor, cobram logo com furor: o pesado João, tibum, de uma queda foi ao chão. A meninada toda frechou na rua pra ver aquele corpo inerte, suarento - e ouvir a recriminação pesada, veemente, de Jeso à cunhada, aquela
desalmada:
Ô Tatá, ocê num deu nem um café ou um prato de comida pra esse infeliz? Cê vai ver quando você morrer você vai botar uma língua desse tamanho pra fora(fez o gesto com a mão, que ia até o meio do peito).
Mas o João se recuperou, vermeio feito ele só. Retomou a capina com menor intensidade e quem partiu primeiro pra eternidade - sem língua pra fora - foi o Jeso, por cuja alma, uma Ave-Maria rezo.