Escolhas
O que é ser normal? Onde termina a sanidade e começa a loucura? Quem pode estar dentro da mente humana para entendê-la?
Era filho de um médico e uma arquiteta. Sempre teve uma vida confortável e tranquila. Estudou nos melhores colégios e tirava as melhores notas.
Sempre foi uma criança, adolescente e jovem tranquilo, até que…
Recebeu uma educação esmerada, sempre teve muito carinho dos pais que apesar de dar a ele tudo que queria, ensinavam que pra tudo há um limite e que a vida lá fora um dia cobraria dele um preço por cada escolha e atitude. Ensinaram a ele o valor da responsabilidade e que pra tudo tem um consequência. Que é preciso saber se vale a pena correr o risco e se vai conseguir arcar com as consequências.
Sempre foi considerado uma pessoa normal e foi criado para ser um homem de sucesso e de bem.
Até que começou a confusão da na cabeça de Arthur.
Seu pai sonhava vê-lo médico, seria a continuação da tradição de família desde o seu bisavô. Queria que fosse um excelente médico como todos foram.
Sua mãe queria vê-lo arquiteto o que era também uma tradição de várias gerações de sua família.
E aí começou a briga.
-Médico.
-Não, arquiteto. A arquitetura em minha família tem muito mais tradição que a medicina na sua.
-Mas um médico não se compara a um arquiteto. A medicina é muito mais importante que a arquitetura.
-Você está dizendo que a sua profissão é superior à minha? Pois saiba que a arquitetura é responsável por belas e vistosas obras.
-E a medicina salva vidas. O que é mais importante? Um amontoado de concreto ou uma vida humana?
E a discussão ia longe e ele no meio daquele fogo cerrado. E nem sequer se davam ao trabalho de perguntar a opinião dele.
E ele tinha o sonho de ser biólogo. Amava tudo que tinha vida no planeta, sobretudo a vida marinha. Sonhava ser um biólogo marinho e fazer grandes e importantes pesquisas.
Um dia no meio de uma briga dos pais sobre que profissão Arthur devia seguir ele disse:
-Eu quero ser biólogo.
Os dois olharam para ele mudos e estupefatos.
E disseram ao mesmo tempo:
-O quê???
-Sim, eu quero ser biólogo.
-De onde tirou esta idéia estapafúrdia? (disse o pai)
-Nunca teve um biólogo em nossa família. Onde pretende chegar sendo um biólogo? Passar fome dando aulas em um colégio?
-Nem na minha família jamais teve um biólogo. Nem me lembrava que existe esta profissão. (disse a mãe)
-Você tem que ser um arquiteto. Vai ser um arquiteto famoso que nem eu.
-Vai ser um médico e não se fala mais nisso. Biologia tem muito a ver com medicina e nada a ver com arquitetura.
-Vocês ficam brigando aí, mas nunca pediram a minha opinião. Vou ser um biólogo e não se fala mais nisso. Ou vou ser um biólogo ou não vou pra uma faculdade.
Os pais tiveram um chilique e ele saiu de mansinho.
Depois de muita confusão e discussão os pais cederam, mas na condição de depois de fazer o curso de Biologia ele fizesse medicina ou arquitetura para ter, segundo eles, uma profissão digna.
Para não criar mais polêmica ele concordou.
Ele foi cursar Biologia e se apaixonou e a cada dia tinha certeza que era aquilo que queria pra si.
Sonhava e se enxergava como um grande pesquisador. Via seu nome sendo aclamado como um biólogo que descobriu novas espécies no misterioso mundo marinho.
Ele se formou e nem se lembrava mais do trato que fez com os pais. Só queria seguir com sua vida, fazer mestrado, doutorado. Foi tão bom aluno que já saiu da graduação com uma bolsa para um mestrado.
Mas seus pais jogaram um balde de água fria em seus sonhos.
Disseram que agora ele tinha com cumprir o trato. Mas ele nunca quis ser médico ou arquiteto. Disse que queria fazer o mestrado e eles disseram que não.
Ele era um filho obediente e entrou em conflito consigo mesmo. Não sabia se rebelava e ficava bem consigo ou se cedia à vontade dos pais e viveria insatisfeito.
Resolveu que faria a vontade do pai, faria medicina e depois entregaria o diploma pra ele e ia ser feliz como biólogo.
Mas novamente começou a briga:
-Por que medicina e não arquitetura? Você só pensa em satisfazer seu pai.
-Ele já é um biólogo, nada mais natural que fazer medicina.
-Vocês sempre querem me contrariar. Eu sempre sonhei vê-lo arquiteto.
E Arthur ficava cada vez mais em conflito. Não queria contrariar a mãe e nem o pai.
Os sentimentos se misturavam dentro dele.
E a cada dia os pais o chantageavam. Até que ele disse:
-Se continuarem brigando e me obrigando a fazer o que não quero eu vou desaparecer e vocês nunca mais me verão.
Eles se assustaram e chegaram num acordo que ele faria medicina.
E lá foi ele fazer o gosto dos pais.
A cada dia se sentia mais insatisfeito e sempre sonhava com seu mestrado e doutorado em biologia, sempre se via fazendo importantes pesquisas. Estava adiando seus sonhos pra fazer a vontade dos pais. Achava que não era justo.
Até que durante uma aula entediante que não lhe interessava em nada, ele surtou. Começou a rir alto, a falar coisas sem nexo. Quando o professor lhe pediu pra parar ele jogou uma cadeira nele, começou um quebra quebra na sala como se estivesse totalmente alucinado. Alguns diziam que ele estava sob efeito de drogas, outros diziam que ele era um nerd e que enlouqueceu.
Eles o contiveram e um médico aplicou um “sossega leão” e ele finalmente adormeceu.
Chamaram seus pais.
Eles não entenderam o que aconteceu e diziam que ele sempre foi um garoto calmo e pacífico, que nunca na vida tivera um só ato de violência.
Levaram Arthur a um psiquiatra que prescreveu psicotrópicos.
O tempo foi passando e ele se sentia cada vez mais insatisfeito. Parou de tomar os medicamentos e de frequentar o curso de medicina sem que seus pais soubessem, mas se sentia culpado.
Um dia seus pais chegaram em casa e encontraram uma carta de despedida. Nela Arthur dizia que não aguentava mais a pressão que estava sofrendo. Que os pais nunca respeitaram as suas vontades e que não conseguia mais viver assim. Que não era o filho que eles esperavam e sonhavam.
No seu quarto faltavam algumas roupas, calçados, documentos e poucos objetos que ele gostava.
Seus pais ficaram arrasados. Procuravam por notícia dele e não obtinham nenhuma pista do que podia ter acontecido.
Sentiam-se culpados e o remorso os corroía.
Contrataram um detetive para localizá-lo vivo ou morto, mas nunca tiveram sucesso.
Arrependiam-se de ter tentando direcionar a vida de Arthur. Viviam atormentados. Perderam o sentido de viver.
O tempo foi passando e a falta notícias do filho doía em seus pais.
Uma noite, quase sete anos depois, o telefone tocou.
Era Arthur.
Sua mãe ficou emocionada e chorou. Seu pai pegou o telefone. Eles choravam e Arthur também
Ele disse que queria visitar os pais.
Dias depois ele chegou com sua esposa, uma bióloga que conheceu no doutorado.
Contou que durante este tempo ele fez mestrado e doutorado que tanto queria e se sustentou trabalhando como professor em dois turnos.
Que agora era um professor universitário e pesquisador e que se sentia totalmente realizado.
Pediu perdão pela ausência e pelo sofrimento que possa ter causado, mas não conseguia mais conviver com a pressão e autoritarismo deles. Partiu porque não queria que eles interferissem mais na sua vida.
Apresentou a esposa e disse que iam ter um filho, o netinho deles.
Seus pais choraram de alegria e emoção.
Pediram perdão por terem sido tão cegos e não enxergar o mal que estavam fazendo.
Choraram e agradeceram a Deus pela vida e volta do filho e pelo netinho que iam ganhar. E também pelo homem que ele se tornou.
Estavam tão exultantes e felizes que esqueceram o sofrimento dos anos de ausência.
Só queriam abraçar e beijar o filho que tanto amavam e que não souberam valorizar e respeitar.