SINCERIDADES DE NATAL
Conto de Gustavo do Carmo
I
Numa festa familiar de Natal, a tia pergunta para o sobrinho:
— E as namoradas, Arthurzinho?
— Não tenho nenhuma, tia.
— Que isso, como pode um homem tão bonito como você não ter namorada?
— É que na verdade eu não sou bonito. E também sou meio bobo. Tenho déficit de atenção, acho que também tenho Síndrome de Asperger.
— Que bobagem! Você não tem nada. É também muito esperto e lindo.
— Não foi isso que ouvi a senhora dizendo para a minha mãe. Pelas minhas costas eu ouvi você perguntar a ela se eu tenho algum probleminha de cabeça.
— Eu não disse nada disso. Você anda inventando.
— Aí! Está me chamando de louco.
— Não estou te chamando de louco! Estou é muito decepcionada com você pensar isso de mim. Acho que você tem mesmo problema de cabeça.
— Está vendo? Para me humilhar diz que eu sou doente. Agora quando eu assumo que não sou normal não gosta. Acha que eu me faço de vítima e que invento doença para fugir das minhas responsabilidades.
II
O Tio Cunegundes se aproxima:
— Por que você não faz um concurso público, Arthur?
— Para quê?
— Ué? Para ter estabilidade no emprego e garantir uma aposentadoria tranquila, ora essa!
— Ah, tá! Mas antes vou ficar três meses sem receber para depois receber o salário parcelado com esse país em crise e o meu estado falido.
— Mas o país não está em crise! O que acontece é que fomos vítimas de um golpe parlamentar de estado.
— Não, tio! Fomos vítimas de um golpe de uma guerrilheira, assassina de soldados do exército, e de um ex-torneiro mecânico vagabundo que não gosta de trabalhar e que, para isso, decepou o próprio dedo para conseguir aposentadoria por invalidez e ficar fazendo piquete, atrapalhando a vida de algumas empresas, chantagear outras e ganhar comissão e cargos políticos de outras. Quando virou presidente enriqueceu de forma ilícita com os recursos do país, nos deixando nessa crise em que vivemos. E sua comparsa guerrilheira o ajudando a roubar mais para garantir o terceiro mandato, para depois esse ladrão conseguir o quarto e esse partido de ladrões se perpetuar no poder e implantar o comunismo no Brasil.
— Mas o comunismo é bom para o povo!
— Para o povo não! Para esses ladrões salafrários que compram o povo para depois deixá-los na ignorância e na miséria como aconteceu com Cuba e está acontecendo com a Venezuela. Se não fosse o impeachment nós estaríamos muito perto de isso acontecer e sermos obrigados a racionar papel higiênico. Por isso que a educação está em decadência e o povo mais ignorante e falando errado, para não ter argumentos para contestar essa quadrilha e viver sob as rédeas do comunismo!
— Você é muito burguês! Não sabe discutir política.
— E não sei mesmo. Quero que o povo se dane! Ou melhor! Quero que o povo seja mais educado e aprenda a se sustentar pelos seus próprios méritos! E dá licença que eu não quero mais discutir com comunista gagá.
Quando saía foi puxado pelo tio, que insistiu:
— Cuba e Venezuela são os melhores lugares para se viver!
— Então vá morar lá e não me encha mais o saco!
— E vou mesmo!
— Ótimo! Mas o senhor pode fugir para a Europa quando a coisa apertar. Já o povo que tanto defende não pode!
III
A irmã de Arthur reclama depois da ceia:
— Você não comeu nenhuma passa que eu coloquei na farofa e no arroz. Separou tudinho e jogou no lixo. Uva passa é cara, tá?
— Você sabe que eu não gosto de uva passa. Mas se eu tivesse pedido para não colocar, ia falar que eu sou criança, que eu sou do contra. E ainda tem a cara-de-pau de reclamar? Vá pro inferno, então!
IV
A prima Gislaine pergunta a Arthur:
— Por que você nunca trabalhou na vida?
— Porque eu nunca tive amigos influentes como você, que te botaram na Globo. Aí tenho que aturar gente como você esfregando o sucesso na minha cara!
— Desculpa a sinceridade, mas você, além de grosso, não tem capacidade nenhuma para trabalhar lá. Não iria durar um dia.
— Realmente não iria mesmo. Não sou comunista como o mala do seu pai, hipócrita como a sua mãe e nem esnobe e arrogante como você. E você reúne todos os defeitos dos seus pais. E não vou mudar o que penso para atender o que os outros querem. Quando eu quiser mudar eu mudo.
— Ah! Você é muito infantil!
— Ué! Vocês não se divertem com a sinceridade das crianças? Mas quando alguém tem as suas opiniões que vão contra os interesses da maioria é chamado de criança e é feio.
— Você é muito vagabundo!
— Ó quem fala! Não fui eu que engravidei do diretor da Globo para subir na emissora. Eu estou satisfeito em cuidar da minha mãe velhinha e ir ao banco para o meu pai.
No Natal seguinte, Arthur passou sozinho com os pais idosos porque os seus parentes não suportam a sua sinceridade ferina. Ficou deprimido.