Quimera
Já é fim de tarde e ainda estou sentada na areia da praia. Meu dia era pra ser diferente, mas é melhor eu contar como eu vim para cá.
Acordo com o aroma delicioso de café passado na hora.. Imagino que William, meu marido, o tenha coado. Me levanto da cama, abro a janela e respiro o ar fresco que traz o perfume do Jasmim do meu jardim. Sinto-me feliz! Ontem foi dia da faxina e toda a casa está tão aconchegante. Dispenso os chinelos e vou à cozinha espiar William..
Pé ante pé quero chegar sem que ele me veja. Primeiro, coloco a cabeça para dentro da cozinha para observá-lo, mas para minha surpresa ele não está. Identifico que o cheiro do café vem da casa de minha vizinha. Onde estará William? Saio a procura dele pela casa e nada. Vou ao jardim, também não está. Hoje é domingo e ele não tem o hábito de sair pela manhã.
Mas ao passar uma segunda vez pela sala identifico um bilhete sobre a mesa que não havia notado antes. Ele diz que passará o dia com amigos, mas não cita com quem e nem o destino. Estranho porque esse não é um comportamento corriqueiro de William, sempre me avisa aonde vai. Imagino que ele queira umas horas tranquilas com os amigos, tem trabalhado tanto. Só fico um tantinho triste por ele não ter me falado nada. E eu que estava pensando em fazer o prato preferido dele. No entanto, acredito que terei um dia prazeroso ao lado dos meus filhos. Vou fazer o café e depois pensar no que farei para o almoço.
Ao provar o café forte me vem uma nostalgia dos tempos em que minha mãe preparava as quitandas nas manhãs da roça e o burburinho animado de meus irmãos ao redor da mesa.
À mesa posta tenho meus filhos sentados comigo. Nada melhor que estar em família. Pergunto o que gostariam para o almoço e ambos se entreolham. Fico esperando a resposta e num balbucio minha filha pergunta se eu não me lembro de nada. Eu busco na memória mas não me vem nada de especial.
– Mãe, hoje é o aniversário da tia Ella! – Nossa como esqueci essa data, todos os anos minha cunhada faz um belo almoço ou jantar de comemoração.
– Então seu pai deve ter se esquecido também! Ele saiu bem cedo para passar o dia com os amigos!
Eles se olham novamente e tenho uma sensação estranha. Mas eles me contam que o pai não havia se esquecido do aniversário da irmã e que até comprara um presente. E que tia Ella o havia convidado, inclusive a eles, os sobrinhos. Esse comentário dava a entender que….eu não havia sido convidada. Mas logo me desfiz dessa ideia. Claro que não, eu sempre participei de todas as comemorações na casa de Ella. E depois porque William não diria que passaria o aniversário com a irmã? Diante de meus filhos fiz me de desentendida e tentei sorrir, me levantei, parecendo animada, dizendo que eu iria me arrumar para ir com eles ao aniversário. Ficaram em silêncio novamente e eu indignada perguntei o que estava acontecendo. No fim das contas depois de explicações estapafúrdias, entendi que deveria ficar em casa. Eu pensava que tudo seria um mal entendido e que logo William ou Ella me ligariam dizendo: – Samantha minha querida, você não veio, estamos te esperando para o almoço, só falta você! Depois, recebi um até mais de meus filhos e fiquei ali sentada pensando na vida. Eu sempre gostava de reuniões em família, quantas vezes nós nos reuníamos com minha família e a de William para um almoço em nossa casa. Sempre tivemos um relacionamento cordial com todos e...não consigo tirar os olhos do relógio...mas o tempo não passa...procurei algo para fazer, abri o álbum de casamento, quanto tempo não o via. Folheei e lá estávamos nós jovens e felizes. Não que não o seja agora eu até acho que tenho uma vida bem certinha, tudo no controle, continuamos um casal invejado. Nos amamos, temos filhos lindos e inteligentes, e viro a folha e vejo Ella bem próxima a mim com um sorriso de felicidade, e as horas passaram depois de ter folheado uma duzentas vezes o nosso álbum de casamento. Já são duas horas e nenhum telefonema. Eu não entendo, estava tudo tão perfeito, todo mundo se dava bem...só umas pequenas rusgas de vez em quando, mas normal, como em qualquer família. Segui para o quarto, abri o armário de roupas e senti o cheiro agradável das roupas lavadas e bem passadas de William. Tudo muito caprichado e limpinho como ele gostava. Passados mais alguns minutos concluí que se eu não fui convidada era por esquecimento de Ella. Será que ela disse ao William que só ele estava convidado? Jamais faria isso, não aquela moça de sorriso cativante do álbum de fotografia. Resolvi ligar no celular de William...desligado….fiquei na dúvida se eu deveria aparecer ou não….fui pensativa até o jardim e me deslumbrei com a tarde ensolarada. Na dúvida optei por ir a praia.
Fui à praia, tirei as sandálias e caminhei pela areia observando a beleza do mar. Tudo fluía bem na minha vida, nada podia reclamar...continuo a caminhada...no meu casamento não havia grandes problemas, só pequenas coisas que não prejudicam em nada nosso convívio...estou me cansando, a areia pesa minhas pernas...talvez eu tenha ficado exausta mais do que eu deveria...faço um esforço para dar mais uns passos….ser esquecida para uma ocasião não era nada diante de uma uma vida tão feliz como a minha….deixo meu corpo descansar na areia e fico de frente pro mar...algo está doendo em mim...mas não sei dizer exatamente onde...me lembrei do ano passado quando no aniversário de Ella fizemos questão que ela fosse comemorar em nossa casa….estava indo tão bem até que uma outra cunhada disse que meus panos de prato não eram cuidados quanto os dela, notei o sorriso à socapa de Ella, ri junto...a outra cunhada era brincalhona….meu marido não perdeu a graça e disse que se tivesse casado com a ex namorada talvez tivesse panos melhores. Eu não liguei obviamente para a caçoada deles, mas no outro dia saí e comprei duas dúzias de panos novos...fiquei obcecada por panos de prato... estou com a areia entre as mãos, estão quentes e isso me dá um conforto. Fecho cada vez mais as mãos...eu gosto desse contato…mas eu não ligo para o que os outros falam de mim... meus filhos já estão na Universidade….será que vão me convidar para a formatura?...que pensamento bobo, claro que vão. Sou a mãe deles. As pessoas costumam invejar a minha vida...dizem que tenho um marido quase perfeito, filhos amorosos...a casa cheia...muita animação, eu realmente penso que sim….olho para a areia e vejo inúmeros pontinhos brilhantes….foi nessa praia que William me pediu em casamento….guardei na memória aquele dia….tinha uma rapaz que fazia esculturas na areia…. era um castelo...o castelo de areia...uma nova vida...outro dia mesmo sonhei com os castelos de argila que eu fazia quando criança lá no interior, na roça....sonhava tanto em fazer castelos de areia...ledo engano!